Uma frase de Susan Sontag
"A memória é, dolorosamente, a única relação que podemos ter com os mortos."
A frase é de Susan Sontag e do seu brilhante ensaio sobre o poder da fotografia, intitulado Olhando o sofrimento dos outros. É mesmo um ensaio brilhante, porque nota-se que é um texto que surge como a procura de um posicionamento mais ético em relação às imagens. Admiro qualquer pessoa que tem esta capacidade para parar e colocar-se a si própria em causa. Uma espécie de "Estou a fazer isto bem? Haverá outra forma de agir e pensar em relação a este assunto?".
Quase não passa uma página do livro de Sontag sem que tenha de guardar uma frase, mas a frase acima fez-me estremecer, por fazer tanto sentido para mim e abrir uma série de caminhos que ainda preciso de fazer na sequência da morte do meu pai. No fundo, e falando claro, ao fim de quase dois anos desde a sua morte, desenvolvi este receio de perder também essa relação com ele, se não trabalhar mais as memórias que tenho dele. Isso passa por falar mais dele, e não menos, por confiar recordações à escrita e, sim, falar com ele.
A frase de Sontag tem essa dupla valência para mim. Por um lado, sublinha a necessidade de estimar a nossa memória. Por outro, penso que atribui um significado um bocadinho restrito demais ao exercício da memória, que não se limita à consulta de recordações. Recordar também passa por atualizar e reforçar memórias.