Um dia a não esquecer
Um dos dias mais surreais dos últimos meses (nas pequenas e grandes coisas, a pandemia, infelizmente, continua a estorvar qualquer termo de comparação). Acordei com a minha cama a dar uma espécie de guinada e a abanar alguns instsntes. Pulei imediatamente para fora da cama, mais alarmado com a consciência de algo estar errado do que ciente sobre a sua causa. Só tive a certeza quando reparei no candeeiro a balançar no teto do hall. Fiquei sem fôlego ao realizar que se tratava de um sismo e muito desconcertado durante alguns minutos. Há qualquer coisa de tenebroso em ser acordado assim, por uma força invisível, capaz de nos expulsar do sono e da ilusão de segurança total. E durante alguns minutos, essa foi a sensação prevalente, de invasão de espaço pessoal.
Demorámos alguns minutos aqui em casa até decidirmos trocar de roupa e sairmos para a rua, um pouco sem objetivo. No fundo da nossa rua avistámos um pequeno ajuntamento de pessoas, que na realidade nada tinha a ver com o sismo. Era um grupo de senhoras a dirigirem-se para o seu trabalho, previsivelmente no centro da cidade, a limpar escritórios. Outra força invisível que nos passa todos os dias ao lado.
Acabámos por ter de voltar a casa, quando percebemos que na pressa cega de sair à rua não tínhamos trazido connosco um casaco para o frio da madrugada.
Para tornar tudo um pouco ainda mais surreal, ainda fomos entrevistados por uma equipa de reportagem na rua, que me obrigou a admitir para "toda a gente" que sim, tive medo. Não me custa nada admiti-lo, atenção, mas foi a primeira vez que falei para uma câmara de televisão e sei que aquilo é uma espécie de buraco no tecido espaço-tempo. Nunca sabemos onde uma frase, um gesto, uma vez lá metidos, vão parar.
Por fim, a sensação que ficou deste dia: de alívio e, sim, gratidão, por ter sido apenas susto e alarme (para melhor preparação?). Podia ter sido muito pior. Saibamos reconhecê-lo.