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horizonte artificial

ideias e achados.

Uma fotografia de 2023

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Já parece um pouco tarde, eu sei, para ainda estar a pensar em 2023, mas gosto deste exercício de criatividade/partilha, que consiste em contar a história de uma fotografia meio aleatória dos 12 meses anteriores. Vamos a isto?

A fotografia acima é de novembro, da viagem que fiz à Madeira com a minha mãe. A árvore ao centro da imagem é impressionante na forma como se multiplica em ramos (adorava saber que espécie é, algum género de cipreste?), mas não foi isso que me levou a tirá-la.

Como não queria conduzir nesta viagem, mas fazia questão de mostrar à minha mãe mais da Madeira para além do Funchal, inscrevi-nos numa excursão privada que passava por alguns dos principais pontos de interesse da ilha. Na tarde desta fotografia, uma das paragens mais demoradas acabou por coincidir com um dos pontos do circuito mais desprovidos de interesse de que alguém se podia lembrar (uma quinta de aquacultura). Estava tão frustrado com a coisa que decidi dar uma volta a pé na zona. Foi o que me fez descobrir que ali perto passava uma levada (algo que ainda não tinha visto na viagem até aí). O guia que nos conduziu tinha dado ao nosso grupo até às 16h15 para visitarmos a quinta e fazermos algumas compras nas lojas de recordações em volta (o verdadeiro motivo, parece-me, para a nossa paragem ali) até termos de regressar ao autocarro. Eram 15h45, e eu ali, dividido entre a obrigação de voltar para trás e o desejo de avançar no percurso e mergulhar um pouco no lado mais bravio da Madeira.

Decidi avançar, com uma regra-compromisso: ir o mais longe possível em 15 minutos e, esgotado esse quarto de hora, voltar para trás a tempo de embarcar sem obrigar alguém a ter de esperar por mim (uma situação que tento evitar a qualquer custo). Pois bem, a fotografia foi feita às 16h, no ponto em que o tempo e as minhas circunstâncias me obrigaram a inverter o percurso. Adorava ter continuado e descoberto onde um caminho assim, misterioso e saturado de natureza, podia conduzir, mas já tinha esticado ao máximo a "corda" invisível que me permitia sequer estar ali.

Sei que não sou o único a inventar estes pequenos jogos mentais para me obrigar (ou desobrigar de) a algumas coisas, e achei que seria engraçado partilhar aqui um deles. E sim, embora tenha cumprido à risca a hora estipulada, já só faltava eu para o autocarro poder arrancar para o próximo destino. Senti que mais ninguém vislumbrou um motivo para me fazer demorar num sítio assim, aparentemente tão desprovido de interesse. O meu segredo agora também é vosso.

Uma fotografia de 2022

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A escolha provavelmente tem de ser esta fotografia, tirada em março, de uma águia-d'asa-redonda a sobrevoar Monsanto contra um céu acastanhado pela poeira levantada do Saara. Passei os olhos pela fotografia várias vezes ao longo do ano e reconheci-a sempre imediatamente.

Como é habitual com estas aves, não se trata de uma fotografia muito pensada: já estava a chegar ao fim da minha caminhada quando me apercebi da sua presença lá no cimo. As árvores pareciam inicialmente estar a mais, mas acabaram por fazer toda a diferença. Aqueles ramos no centro da imagem lembram-me uma mão a fazer o gesto de "perfeito" com os dedos. Se não soubesse melhor, diria que o enquadramento final foi planeado, mas só pela águia.

Uma fotografia de 2021

Um medronho maduro pousado em cima de um poste de madeira

Só hoje me apercebi que falhei, pela segunda vez em dois anos, a pequena tradição anual de publicar aqui uma fotografia dos doze meses anteriores que não tenha partilhado em qualquer outro sítio. Não se trata de escolher a minha melhor fotografia do ano nem nada parecido. Apenas algo que fique de recordação desse ano. Bom, lá abri o Lightroom, e toca a puxar das fotografias feitas em 2021. Tenho por lá algumas fotografias visualmente marcantes, que dispensariam legenda ou explicação. A fotografia acima, não é uma delas. Podia passar por mais uma das muitas fotos que fiz ao longo dos anos no Parque Florestal de Monsanto. Um medronho maduro, colocado por mim em cima de um poste de madeira, para tentar um enquadramento fotográfico diferente, não tem, à primeira vista, nada de especial. A expressão-chave aqui é mesmo primeira vista. Alguns dias (sim, no plural) depois de ter feito a fotografia, voltei a passear pelo mesmo local com a minha mãe, completamente abstraído de já ter ali passado nessa semana. "Olha, alguém deixou um medronho em cima do poste", aponta divertida, enquanto eu seguia distraído uns metros à frente. Quando me virei para trás, mesmo antes de pousar os olhos no ponto vermelho, a minha cara já devia trair alguma da doce descrença que aquela frase acabara de fulminar no meu pensamento. Há momentos assim, em que o mundo parece repentinamente mágico e muito, mesmo muito, pequeno.

Uma fotografia de 2019

Tatiana-Mosio Bongonga a andar na corda bamba, na Alameda

Desta vez não foi fácil escolher uma fotografia que representasse o meu ano (a de 2018 está aqui). Houve ondas gigantescas, entardeceres únicos e muitos passeios pela natureza. Mas se me perguntassem qual foi a coisa mais incrível que fotografei nesta volta ao Sol, a minha resposta continuava a ser um nome: Tatiana-Mosio Bongonga.

Não sabia bem ao que ia, naquele primeiro dia de junho, mas o convite da Câmara de Lisboa ao público para vir até à Alameda Dom Afonso Henriques assistir a uma mulher a caminhar no vazio parecia tão improvável quanto irresistível. Esperava, pelo menos, conseguir uma fotografia especial. No fim do dia, dei por mim a editar centenas delas. Continua a ser, de longe, o evento do ano de que guardo mais imagens.

Entre tantas, escolhi a fotografia acima porque ilustra bem a dimensão do acontecimento. Milhares de pessoas com os olhos postos numa figura isolada, a caminhar numa corda a 30 metros do chão. Se não fosse arte, seria religião.

Não me ocorre outra circunstância, senão na arte, em que seja possível observar, durante uma hora, alguém a percorrer 300 metros na nossa direção. Essa hora gravou na minha memória (digital e mental) o sorriso da Tatiana, a cada passo mais nítido e cintilante. Era o sorriso inconfundível de quem triunfa sobre o medo e tem consciência de estar a protagonizar um prodígio, da arte e da ousadia humana (dois termos para a mesma coisa provavelmente).

O meu desejo para 2020 é que volte a inspirar e dar-nos a ver mais feitos desta ordem, sem rede nem medo.

Uma fotografia de 2018

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O ano passado iniciei aqui uma rubrica no blog que consiste em escolher a minha fotografia preferida do ano (a que escolhi em 2017 está aqui). É a desculpa perfeita para abrir a pasta com as fotografias do ano e maravilhar-me com a  aleatoriedade das minhas voltas pela cidade e não só. Há fotografias que irradiam o calor do verão, outras que me fazem recordar o tempo passado em pastelarias.

E depois há fotografias que quase esqueci de ter feito e que me surpreendem como se tivessem sido feitas por outra pessoa. É o caso da fotografia acima. Foi tirada ali no fim de janeiro e gosto de tudo nela. O que parece o resultado de uma escolha intencional, o foco nas mãos dadas, é na realidade o produto de um acidente resultante da pressa com que tirei a fotografia. Gosto especialmente que seja difícil perceber bem o que está a acontecer: o rapaz está a ser puxado (um "vem daí") ou a apoiar a rapariga no skate?

Gosto de pensar que pode ser as duas coisas e de que estamos a ser puxados para a frente quando nos apoiamos uns aos outros.

Uma fotografia de 2017

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Ia dar o título "A minha fotografia preferida de 2017" a este post, mas reconsiderei, porque há duas ou três fotografias que competem na minha cabeça por essa distinção. Prefiro destacar uma delas e deixar o tempo desempatar a questão. A fotografia acima foi tirada na tarde de 25 de abril, junto ao Cais das Colunas, e é uma das minhas preferidas porque é uma das fotografias mais "intencionais" que tirei este ano. Estava de passagem pela zona e tive apenas segundos, ao espreitar por cima do ombro, para ver e reconhecer algures no fundo da minha memória fotográfica esta cena. Ou seja, soube imediatamente que estava a fazer uma cópia de outra fotografia tirada algures no tempo, e que tropeçara, por assim dizer, num clichê fotográfico — um postal lisboeta de Cartier-Bresson. É esse pensamento rápido, que permitiu passar do reconhecimento ao disparo em poucos segundos, que me faz gostar tanto desta fotografia, mesmo não sendo a mais original que fiz ou aquela com mais ressonância pessoal. Estou mais habituado a escolher uma cena qualquer, fazer uma série de disparos e a confiar na sorte. Um disparo assim tão intencional, no meu caso, é extremamente raro e, por isso, um dos que mais guardo na memória de 2017. Que 2018 seja, para todos, um ano propício a encontros certeiros destes, entre a nossa capacidade e vontade.