o passado é um lugar estranho: a Rotunda do Marquês
Esta fotografia da rotunda do Marquês de Pombal, encontrada aqui, deixou-me abismado. O ano da fotografia é 1930 (não tem atribuição), mas vista aos olhos de hoje, parece mais longínqua do que isso, quase jurássica, tal é a diferença ao nível da topografia. A única coisa que tem em comum com o presente é a própria rotunda, e mesmo isso só faz acentuar o contraste.
Esqueçam a rotunda concêntrica, a falta de sarjetas ou os níveis de poluição. Eu quero o lago de volta.
Voltando ao presente, está a decorrer há quase três semanas aquela que é provavelmente a maior experiência em gestão de mobilidade e circulação que a cidade de Lisboa já viu, nos acessos rodoviários ao Marquês de Pombal. À partida, já é positivo que a Câmara tenha reconhecido a existência de um problema e decidido atacá-lo. O experimentalismo, a esta escala, é surpreendente e algo que precisa de ser mais incentivado, supondo que o novo modelo de circulação está mesmo sujeito a uma avaliação objetiva e que é suscetível de ser aperfeiçoado ou mesmo abandonado, caso se chegue à conclusão que veio piorar a situação.
Já passei algumas vezes pela zona, desde que as alterações ao trânsito entraram em vigor, e as minhas impressões são algo mistas. Por um lado, é mais fácil contornar a rotunda a pé. Por outro, senti mais a poluição atmosférica, devido à menor separação entre automóveis e passeios e aos pontos de paragem que os vários cruzamentos implicam.
Por sua vez, o Público publicou ontem um artigo, intitulado O Marquês já respira melhor, mas a Avenida ainda precisa de mais terapia, que fala em sinais positivos ao nível da poluição e da redução no tráfego.
Um dos sinais negativos que parece suportado por dados concretos é referido apenas de passagem, mas já pode ser sentido por quem usa transportes públicos (ênfase minha):
O responsável pela mobilidade anunciou igualmente que vão ser criadas minipraças de táxis em várias secções dos corredores laterais. Diz não ter ainda uma reacção dos comerciantes locais às alterações introduzidas, mas da parte da transportadora Carris afirmou ter recebido uma resposta positiva, pois o tempo de passagem do Marquês (agora unicamente pela rotunda exterior) aumentou apenas em um minuto. "Para tal deverão também contribuir alguns conflitos resultantes de paragens de autocarros para tomada e largada de passageiros na zona dos hotéis, algo que teremos de resolver", esclareceu.
A minimização deste indicador, relativo ao tempo de passagem pelo local dos autocarros da Carris, que a aumentar implica uma degradação da qualidade dos transportes públicos, é um bocado dececionante, na medida em que o resultado final de uma experiência deste género deve passar por dar ainda mais primazia aos transportes públicos.
O que dá alguma esperança é ver que a Câmara de Lisboa parece ao menos disposta a tentar, e que a possibilidade de falhar é igual à de acertar. O lago já só é um sonho distante a preto e branco, mas ainda há muito que se pode fazer ali para melhorar a qualidade do ar e da mobilidade de quem lá passa.