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horizonte artificial

ideias e achados.

Um jardim cheio de luz

Três anos depois deste post, lá fui eu visitar o jardim do Centro de Arte Moderna (CAM) da Gulbenkian, no seu primeiro dia de abertura ao público. Estava, claro, a abarrotar de gente, e não consegui fotografar o espaço como queria, mas passei meia hora de pé junto a uma coluna de som a ouvir a conversa entre Kengo Kuma (o arquiteto responsável pelo projeto de renovação do CAM) e Benjamin Weil (o diretor do museu) debaixo da enorme pala. Fui até lá movido puramente pela curiosidade, mas um lampejo de inspiração levou-me a gravar a conversa com o telemóvel. São algumas frases dessa conversa, aliadas às fotografias que tirei do jardim nos dias seguintes (mais uma ideia inspirada, pois as tardes de sol escassearam bastante depois disso), que motivaram este texto no Viagens.

Se leram o meu post de 2021, vão reconhecer alguns ecos do mesmo. Se mais nada, todavia, vão pelas fotografias. Acho que refletem bem a ideia de um jardim banhado em luz, sobretudo a clareira junto ao edifício. É um espaço realmente convidativo e diferente de qualquer outro na cidade, parece-me, até mesmo de qualquer outro no Jardim da Gulbenkian. Admito que possa estar um pouco sugestionado, depois de ler tanto sobre o projeto do renovado CAM, mas sente-se ali uma ligação mais forte entre jardim e museu. Acho que vai dar um sítio ótimo para experimentar, aprender e apreciar coisas novas.

E, claro, para correr. Foi o que mais vi fazer ali nos primeiros dias em que lá passei, às primeiras horas da manhã e às últimas da tarde, sempre com a minha máquina fotográfica. Publiquei mais algumas fotografias do que vi aqui, se quiserem espreitar. Estou cheio de curiosidade para ver como outros vão ver, desfrutar e criar neste jardim.

PS: Só li depois de publicar o meu, mas a Mensagem tem um artigo, assinado por Catarina Moura, que vale muito a pena ler sobre a evolução do quarteirão que a Gulbenkian ocupa atualmente, assim como algumas curiosidades deliciosas sobre o projeto de Kuma para o CAM (que adorava ter conseguido para o meu).

O ponto mais alto de Lisboa

O Luzboa é o grupo de fotografia que criei, em outubro de 2019 (parece que foi ontem!), para reunir num único local as fotografias mais deslumbrantes que encontro de Lisboa partilhadas no Flickr.

Qualquer pessoa com conta neste serviço de alojamento pode incluir ali uma ou mais fotografias de Lisboa (até um limite de 3 por mês, para convidar a escolha criteriosa e evitar excessos), mas, na maioria das vezes, sou eu a encontrá-las (usando a pesquisa do Flickr) e a convidar os seus autores a acrescentá-las ao grupo (soa a muito trabalho, mas acontece tudo magicamente com dois cliques, sem explicações necessárias).

É sempre bom ser surpreendido pela inclusão espontânea de uma fotografia por alguém que gostou do grupo (e do nível médio da qualidade das fotografias ali expostas), mas não me importo nada que a iniciativa parta quase sempre de mim. O Luzboa acaba por ser o meu álbum virtual de todas as fotografias incríveis de Lisboa que são partilhadas no Flickr — e já vamos em 1.744 fotografias. É uma das minhas mais surpreendentes e bonitas janelas para a vida (e luz!) desta cidade.

Surpreendente porque reúne perspetivas e pontos de vista de muita gente diferente, com interesses, roteiros e olhares muito diferentes. E bonita porque, na maioria das vezes, mostra a cidade à sua melhor luz. Não é um grupo para ver a miséria, degradação e poluição que afligem, cada vez mais, as nossas ruas. Não viro o olhar a tudo isso, mas não foi o que inspirou a criação deste cantinho da internet. É de outra coisa que estamos ali à procura e a tentar captar e fixar nas nossas imagens. É uma qualidade qualquer, intangível e indizível, que faz de Lisboa um sítio único. No fundo, aquilo que torna qualquer lugar único.

É o meu projeto pessoal mais bem sucedido e aquele a que volto todos os dias. Não me faz mais rico nem bonito, mas não sei de outro espaço virtual que reúna tantos olhares diferentes da luz de Lisboa. Isso é um motivo meu de orgulho e uma das razões pelas quais a cidade me parece um pouco "mais minha" do que aos meus vizinhos. Já me deslumbrei e arrepiei com muitas fotografias ali partilhadas e isso, no meu dia-a-dia, tem um valor incalculável. Poder ver Lisboa a partir dos olhares de tanta gente, de tantas horas e tantos lugares diferentes (que eu não poderia ocupar, mesmo que vivesse 10 vezes) é algo com o qual os seus poetas e apaixonados de outrora só podiam sonhar. Olhar um lugar no mundo também é vivê-lo e podemos fazê-lo de formas que nem há 30 anos pareciam impossíveis de prever — uma fonte interminável de fascínio para mim.

Por fim, se a ideia de "projeto pessoal" vos disser algo, eis o meu conselho: comecem agora. Não contem a ninguém, brinquem com a ideia e divirtam-se, mas comecem hoje.

Paris pode esperar

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A avaliar pelas ruas ligeiramente mais esvaziadas de turistas na Baixa lisboeta esta tarde, parecia que o mundo inteiro estava em Paris. Era onde também gostava de ter estado hoje, confesso. Não é todos os dias (ou anos) que estamos a um voo de 2 horas de uma cidade anfitriã dos Jogos Olímpicos, e tenho alguma curiosidade sobre o ambiente e a logística à volta de um evento desta magnitude. Ainda assim, optei por não ver a cerimónia de abertura pela televisão e preferi rumar ao centro de Lisboa, começando pelo Príncipe Real (acima). Havia menos gente e calor que nos dias anteriores, só não faltou luz boa.

A medida da sorte

Uma das coisas que mais me fascinam é a sorte. Sim, a sorte. Não falo de forças divinas ou sobrenaturais. Refiro-me apenas àquilo que cada um de nós perceciona como o seu momento de sorte, por oposição a qualquer outra coisa que podia ter acontecido, habitualmente menos feliz ou proveitosa. Nos blogs, são as histórias do quotidiano que mais me deliciam e, imagino, todos aqueles que gostam de ler estes pedacinhos do nosso dia-a-dia que vamos trocando entre nós virtualmente. "Quando tudo parecia destinado a correr mal.." Gosto de ficar pendurado da expetativa criada por esta frase. Não só pelo desenlance, mas porque a preparação de toda a situação é quase sempre metade da diversão. E se pensam que isto vai conduzir a um pequeno exemplo meu, acertaram.

O meu pequeno momento de sorte, passado hoje, não é rico em detalhes explosivos e hilariantes, mas penso que ilustra bem a medida do que constitui uma "pequena vitória" para mim. Estava há pouco numa paragem de autocarros da Carris no outro lado da cidade, a derreter ao sol depois de um dia passado fechado numa camisa desconfortável, quando reparo, pelo canto do olho, na chegada ao local de um dos "maluquinhos" da carreira do autocarro que esperava. Ao fim de algum tempo a usar os transportes públicos de Lisboa, passamos a identificar à distância estes personagens, mas o de hoje já encontrei várias vezes — e nunca corre bem para ninguém, pela forma como assedia ou hostiliza os outros passageiros. Não era a viagem de 25 minutos que pretendia fazer, mas também não conseguia mais ficar ao sol e adiar o regresso a casa.

Já me preparava mentalmente para aceitar que hoje seria uma daquelas viagens, até que chegou o nosso autocarro (sabia por experiência que o senhor esperava a mesma carreira). E é aqui que entra a minha sorte de hoje. O protagonista desta mini-história tinha procurado a sombra da paragem e só se apercebeu tarde demais que tinha perdido a sua boleia. Ainda deu um pontapé no veículo (sim, um pontapé!), mas nada feito. O amarelinho da Carris já seguia caminho, com metade dos passageiros habituais a respirarem de alívio e um só pensamento a ocupar-me a mente, resumido por duas palavras: que sorte!

Uma pequena olaia perdida na cidade

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Reparem na base da árvore, no quadradinho que a cidade lhe concede para poder crescer. Não sei dizer se é suficiente para uma olaia, mas a sua copa surpreendeu-me o olhar um destes dias, talvez por se ter "atrasado" em relação às suas companheiras de rua, já verdes. Na sua fragilidade, lembra uma árvore da savana africana que, ainda assim, é capaz de graciosidade. Fica aqui o registo da sua beleza. Tenho curiosidade (otimista) para saber como se desenvolverá nos próximos anos.

Os tempos do Céu sobre Lisboa

E a oportunidade de reler um dos meus blogs preferidos

Em setembro, pude segurar um blog nas mãos — e um blog só pode ter o peso de um livro. Falo d'O Céu sobre Lisboa, o blog mantido pelo Pedro Ornelas entre 2003 e 2008, e que hoje só pode ser lido em livro.

Nunca cheguei a conhecer o Pedro, nem sequer a interagir consigo como leitor, mas lembro-me de ter descoberto o seu blog, logo em 2003, e de o ler de uma ponta à outra, entre o intrigado e o invejoso. Inveja, em primeiro lugar, com aquele título fabuloso, que já pinta uma aguarela na imaginação, antes do modem sequer ter tido tempo de descarregar o template. E depois, com aquele modo de escrever, direto e descontraído, de quem está dentro da cidade, mas a vê-la de fora, graças à lente da curiosidade.

O Pedro parecia sempre pronto para reparar em algo, fosse um detalhe ou cena inusitada, e em partilhar esse motivo de espanto. Os seus textos revelam alguém movido a curiosidade (divertia-se, a título de exemplo, a apanhar o primeiro comboio que estivesse a passar numa qualquer estação de comboios), com lata jornalística para espreitar tudo e travar conversa com todos. O Céu era o seu caderno de observações e curiosidades colhidas nas ruas de Lisboa, e não só. Como o Ivan Nunes explica no prefácio do livro, não se trata, todavia, do típico flâneur:

O narrador deste livro é um flâneur - mas sem inconsequência, sem diletantismo. (...) O que lhe interessa não é só a novidade, mas sobretudo a mudança, que tanto se pode encontrar em coisas novas como naquelas que guardam os traços de uma vida muito antiga.

Por tudo isto, o Céu foi um dos blogs que mais influenciou, no tom e conteúdo, a minha própria escrita nos blogs. Já em setembro de 2008, quando fiquei a saber da morte do Pedro, o admitia: o Céu era o blog que gostaria de ter feito. É por isso que senti o assalto da nostalgia (embrulhada na expetativa sobre o aspeto que um dos meus blogs preferidos teria como livro) quando soube que o blog do Pedro tinha sido resgatado do apagão eletrónico e editado como livro, por iniciativa e esforço de alguns dos seus amigos. Em setembro, pude finalmente adquirir um exemplar, diretamente das mãos da Helena Soares, a mentora do projeto e sua editora.

Para começar, é um livro muito bonito. Nota-se o esmero na sua apresentação, da belíssima capa à paginação (o design é da Silvadesigners), com os posts do Pedro vertidos para o papel tal e qual como foram publicados, sem dispensar as fotografias. A fotografia servia muitas vezes de ponto de partida para os posts do Céu, ao ponto de me fazer questionar se o Pedro hoje seria mais blogger ou instagramer. A relação entre a palavra e a imagem no Céu era, na iminência dos smartphones (e da facilidade na recolha e partilha da fotografia), curiosa e, em retrospetiva, um bocadinho à frente do seu tempo.

Por falar em tempo, a Lisboa das crónicas do Pedro não dista assim tanto da nossa e, no entanto, as duas já não coincidem exatamente. Perceber isso, identificando as diferenças, também faz parte do gosto de ler este diário lisboeta dos anos zero. Como leitor (repetente, ainda por cima) do Céu, achei especialmente surpreendente a quantidade de vezes que me cruzei com o Pedro nos mesmos locais que visitei recentemente: o Castelo de Almada, as bilobas no Jardim das Amoreiras (estamos, precisamente, na sua "época de ouro", em finais de dezembro), a Tapada da Ajuda (que só explorei este ano), são só alguns exemplos. É o tipo de encontro-desencontro que só um livro, com a sua mobilidade, pode proporcionar entre duas pessoas que, apesar de tudo, partilham a mesma cidade-paixão.

Estas ideias à volta do tempo levam-me, inevitavelmente, a pensar em tudo aquilo que o Pedro teria para ver, investigar e comentar nos últimos anos em Lisboa. O que pensaria da cidade confinada? E da cidade esvaziada pelo Airbnb (fundada, precisamente, em 2008)? E do que mudou para melhor? A Ribeira das Naus, descrita no blog, em 2005, com a sua "estação fluvial fantasma", seria um bom exemplo de algo que o Pedro teria, certamente, gostado de conhecer. Não me recordo da existência da estação, mas lembro-me de passar várias vezes pelo estaleiro de obras que ali esteve durante anos, enquanto a zona aguardava definição. Em 2021, é um dos locais obrigatórios da cidade para recuperar horizonte e desfrutar do rio.

Como ideia, este livro também é o fruto tardio, e belo, da amizade. Em 2017, os escritos do Pedro estavam prestes a desaparecer da blogosfera. Hoje, já não é possível consultar o blog no seu endereço original (motivo pelo qual não faço link aqui). Os seus amigos juntaram-se e prestaram-lhe esta derradeira homenagem, a da memória. Ler o Pedro é poder voltar a seguir-lhe os passos e acompanhar o seu olhar por uma Lisboa que ora parece continuar igual, ora mostrar-se irremediavelmente mudada. Por tudo isto, foi uma das leituras que mais me cativaram este ano. É, seguramente, um dos melhores livros sobre Lisboa publicados nos últimos anos.