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horizonte artificial

ideias e achados.

Escolher com o coração

O Flickr desafia todos os anos quem por lá tem conta a auto-nomear o seu "melhor disparo" fotográfico do ano. Um painel de jurados olha depois para todas as fotografias submetidas a participação (apenas uma por utilizador) no desafio e escolhe as suas preferidas em cinco categorias. Há já alguns anos que tento participar, mas não é fácil selecionar apenas uma fotografia quando somos aquele tipo de fotógrafo que chega ao final do ano com mais de 4 mil fotografias feitas.

Quando chega dezembro, e começo a organizar o meu arquivo fotográfico, aproveito para estar atento àquelas imagens que, apesar de já as conhecer, ainda me parecem surpreender o olhar. O conjunto de candidatas deste ano não foi muito grande, mas mesmo assim voltei a ter a dificuldade habitual de escolher uma como a "melhor" de todas.

Qual foi o critério decisivo que acabei por usar? O coração. Não acredito que seja uma das 5 melhores fotografias do ano no Flickr (não tenho a ambição, ou a ilusão, para tanto), mas a minha escolhida chegou, durante a noite, à página do Explore (mais ou menos o equivalente dos destaques aqui do Blogs, com a diferença que não temos a ajuda do algoritmo). Graças a esse acréscimo de visibilidade, já é a minha publicação com mais reações de sempre no Flickr (numa conta com 17 anos de existência, já diz algo).

2024 não foi fácil em alguns quadrantes do meu quotidiano, mas reservou-me uma surpresa boa para o seu último dia. Não me recordo de outra coisa deste ano que me tenha feito passar tão depressa da apatia ao júbilo. Será a isto que sabe ter um post destacado?

O ponto mais alto de Lisboa

O Luzboa é o grupo de fotografia que criei, em outubro de 2019 (parece que foi ontem!), para reunir num único local as fotografias mais deslumbrantes que encontro de Lisboa partilhadas no Flickr.

Qualquer pessoa com conta neste serviço de alojamento pode incluir ali uma ou mais fotografias de Lisboa (até um limite de 3 por mês, para convidar a escolha criteriosa e evitar excessos), mas, na maioria das vezes, sou eu a encontrá-las (usando a pesquisa do Flickr) e a convidar os seus autores a acrescentá-las ao grupo (soa a muito trabalho, mas acontece tudo magicamente com dois cliques, sem explicações necessárias).

É sempre bom ser surpreendido pela inclusão espontânea de uma fotografia por alguém que gostou do grupo (e do nível médio da qualidade das fotografias ali expostas), mas não me importo nada que a iniciativa parta quase sempre de mim. O Luzboa acaba por ser o meu álbum virtual de todas as fotografias incríveis de Lisboa que são partilhadas no Flickr — e já vamos em 1.744 fotografias. É uma das minhas mais surpreendentes e bonitas janelas para a vida (e luz!) desta cidade.

Surpreendente porque reúne perspetivas e pontos de vista de muita gente diferente, com interesses, roteiros e olhares muito diferentes. E bonita porque, na maioria das vezes, mostra a cidade à sua melhor luz. Não é um grupo para ver a miséria, degradação e poluição que afligem, cada vez mais, as nossas ruas. Não viro o olhar a tudo isso, mas não foi o que inspirou a criação deste cantinho da internet. É de outra coisa que estamos ali à procura e a tentar captar e fixar nas nossas imagens. É uma qualidade qualquer, intangível e indizível, que faz de Lisboa um sítio único. No fundo, aquilo que torna qualquer lugar único.

É o meu projeto pessoal mais bem sucedido e aquele a que volto todos os dias. Não me faz mais rico nem bonito, mas não sei de outro espaço virtual que reúna tantos olhares diferentes da luz de Lisboa. Isso é um motivo meu de orgulho e uma das razões pelas quais a cidade me parece um pouco "mais minha" do que aos meus vizinhos. Já me deslumbrei e arrepiei com muitas fotografias ali partilhadas e isso, no meu dia-a-dia, tem um valor incalculável. Poder ver Lisboa a partir dos olhares de tanta gente, de tantas horas e tantos lugares diferentes (que eu não poderia ocupar, mesmo que vivesse 10 vezes) é algo com o qual os seus poetas e apaixonados de outrora só podiam sonhar. Olhar um lugar no mundo também é vivê-lo e podemos fazê-lo de formas que nem há 30 anos pareciam impossíveis de prever — uma fonte interminável de fascínio para mim.

Por fim, se a ideia de "projeto pessoal" vos disser algo, eis o meu conselho: comecem agora. Não contem a ninguém, brinquem com a ideia e divirtam-se, mas comecem hoje.

22.929

O número no título é o total de fotografias que guardo feitas com a minha câmara fotográfica. É um valor que está sempre a variar: por mês, faço uma média de 200 novas fotografias e apago outras tantas à medida que vou editando as que já fiz desde 2016.

Este arquivo fotográfico é o meu pertence mais valioso, ao ponto do disco externo no qual o conservo (e outro onde faço uma cópia de segurança) ser provavelmente o primeiro objeto que agarraria se tivesse de fugir de casa só com as roupas do corpo. É o registo de horas incontáveis do meu tempo, dos meus passeios e criatividade. E não há nada mais valioso do que o tempo de que dispomos para aplicar naquilo que nos interessa e mantém ativos. Já o escrevi aqui algures antes, que a Fotografia é uma espécie de passaporte para mim, que me faz querer a ir a sítios e conhecer pessoas, e acho que o número acima reflete bem isso.

Ainda assim, não há aqui ilusões. No que diz respeito às minhas fotografias, sou um editor metódico e implacável. Catalogo e avalio (tirando partido de uma funcionalidade do Lightroom que permite pontuar cada imagem até 5 estrelas) cada uma das fotografias que faço e só 281 das 22 mil já tiradas têm a classificação máxima. Ou seja, menos de 1% do meu arquivo fotográfico é formado por imagens irrepreensíveis do ponto de vista técnico (focagem e luminosidade) e visual (algo simplesmente que me tenha chamado a atenção). Pensando em termos estatísticos: preciso de tirar 99 fotografias para conseguir uma daquelas que apetece partilhar com o mundo (no meu caso, com a internet).

No último ano, contudo, comecei a perceber que não devia perder mais tempo com critérios demasiado restritos sobre o que constitui uma fotografia interessante. Comecei a alargar os "critérios" e a publicar mais da minha fotografia de rua e natureza nas redes sociais e no Flickr. Não quero deixar o produto de tantas horas de trabalho esquecido numa gaveta. Podem não valer dinheiro, mas neste mundo tão ligado em que vivemos, pode ser que encontrem quem as aprecie da mesma forma que eu aprecio encontrar registos fantásticos de alguns dos meus locais e temas preferidos.

Partilho algumas das preocupações com a Inteligência Artificial ao nível da forma como estes sistemas são treinados, mas não é por achar que existe algo fundamentalmente errado em alimentar uma máquina com uma torre de babel de textos e imagens. O que me preocupa realmente é que esta apropriação indiscriminada dos conteúdos gerados por anónimos engrosse ainda mais as fileiras dos céticos e eternos desconfiados em relação à internet como espaço de troca de ideias. Se já me desanimava a quantidade de pessoas que vejo a estragarem as suas fotografias com marcas d'água, agora angustia-me pensar na quantidade de gente que se sente tão ciosa da sua criatividade que não ousa sequer partilhá-la por aqui, na remota possibilidade de alguém se apropriar dela (como se a apropriação manchasse mais o autor do que o plagiador).

No fundo, resume-se a isto: neste mundo virtual, existirá melhor sensação do que saber que algo que criámos encontrou eco nas memórias, experiências e gostos de outra pessoa? Acredito que não e que o maior roubo de que podemos ser vítimas por aqui, no que toca a estas questões em torno dos direitos de autor, é mesmo ser privados dessa abertura à possibilidade do encontro com o outro através da partilha sem complexos. Pode vir daí tanta coisa boa, caramba.

Fotografias com vida própria

Beneficio há muitos anos da generosidade de quem partilha as suas fotografias na internet sob uma licença Creative Commons, que permite a outros que façam uma utilização livre e criativa desses trabalhos. A minha principal fonte para imagens de licença livre (ainda que sob algumas condições, como a atribuição do autor, por exemplo) é o Flickr. É lá que encontro, normalmente, as fotografias mais originais e atmosféricas dos temas ou lugares a que preciso de associar uma fotografia. Por atmosféricas, refiro-me a registos de um local ou tema que imagino uma pessoa atenta a fazer em circunstâncias mundanas, por oposição às fotografias que foram feitas para passarem por representações ideais (ou dito de outro modo, postais de verão) dos mesmos sítios do costume. O Flickr (ainda) é um ótimo sítio para admirar a beleza do mundo a qualquer hora do dia sem precisar de viajar. Quando criei a minha conta lá, prometi a mim mesmo que disponibilizaria a maioria das minhas fotografias sob a mesma licença que abrange tantas das fotografias que já me "salvaram" o dia no trabalho ou num projeto pessoal.

Ocorreu-me recentemente fazer uma pesquisa no Google pelo meu nome de utilizador no Flickr, para ver se alguém já teria usado as minhas fotografias da mesma maneira, e os meus olhos abriram-se de espanto pelas coisitas que fui encontrando. A maioria dos resultados diz respeito a páginas na Wikipédia (que depende, naturalmente, de fotografias sem restrições de uso para ilustrar os seus artigos). Tenho fotografias minhas por lá a aparecerem um pouco por todo o lado, da página dedicada ao Cais das Colunas (a minha é fácil de encontrar, pois é a única, aparentemente, tirada ao pôr-do-sol) a uma fotografia do meu sapato para ilustrar, entre outros artigos estapafúrdios, o jardim da Gulbenkian.

O resultado que mais me aqueceu o coração, porém, surgiu no Youtube, e diz respeito ao vídeo de um artista português conhecido por Delectatio que produz música ambiental e usou uma fotografia minha da ponte 25 de abril para ilustrar uma das suas composições. A música intitula-se With you e admito que a pus a tocar a medo, com receio de não gostar e assim não ter muito para mostrar pela forma como as minhas fotografias ganham vida própria. Acontece que gostei e alegrou-me ver algo capturado por mim a ajudar a apresentar ao mundo a criação de outra pessoa.

Como comecei por dizer, há anos que faço uma utilização similar das fotografias dos outros. Não devia ser surpresa encontrar as minhas a serem usadas da mesma maneira, mas continua a ser surpreendente e maravilhoso confirmar que algumas das minhas imagens encontraram um uso novo e, em alguns casos, bonito. E vão continuar a encontrar, quem sabe por quanto tempo mais. Este é o melhor argumento que posso oferecer a fotógrafos amadores como eu que, infelizmente, continuam a embotar as suas imagens com marcas d'água e, ao restringir o seu uso, a condená-las, para todos os efeitos, ao escuro da gaveta.

Uma fotografia de 2022

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A escolha provavelmente tem de ser esta fotografia, tirada em março, de uma águia-d'asa-redonda a sobrevoar Monsanto contra um céu acastanhado pela poeira levantada do Saara. Passei os olhos pela fotografia várias vezes ao longo do ano e reconheci-a sempre imediatamente.

Como é habitual com estas aves, não se trata de uma fotografia muito pensada: já estava a chegar ao fim da minha caminhada quando me apercebi da sua presença lá no cimo. As árvores pareciam inicialmente estar a mais, mas acabaram por fazer toda a diferença. Aqueles ramos no centro da imagem lembram-me uma mão a fazer o gesto de "perfeito" com os dedos. Se não soubesse melhor, diria que o enquadramento final foi planeado, mas só pela águia.

Um sinal de paz na pauta da cidade

Ontem, vi uma reportagem sobre o fluxo de refugiados ucranianos a chegar à estação de comboios de Badajoz, ponto a partir do qual algumas dezenas continuam a sua viagem até Portugal num comboio da Linha do Leste da CP. Estive ali em meados de fevereiro, quando Badajoz parecia ser o sítio no mundo mais afastado de uma guerra (bom, e de tudo o resto, dada a pacatez da região). Apesar de se tratar de uma estação moderna (e servida, no lado espanhol, por comboios modernos), pareceu-me mais pequena e menos movimentada que algumas das estações suburbanas de Lisboa. Hoje, a crise humanitária posta em marcha pela guerra (que já deslocou milhões de ucranianos), já está à vista ali, que é praticamente, dada a proximidade da fronteira portuguesa, um aqui.

Os sinais da guerra estão por todo o lado, portanto, mas os da paz também. O mais impressionante deles, até agora, surpreendeu-me o olhar há poucos dias, e também envolve a ferrovia. Na realidade, é muito difícil não dar por ele: trata-se de um enorme símbolo da paz, pintado em azul escuro a toda a largura do caminho-de-ferro da Linha de Sintra.

Desconheço quem pintou o símbolo clandestino, mas quem quer que tenha sido, conhece bem a zona onde o fez (escolheu pintá-lo onde é possível vê-lo de cima, a partir de uma ponte pedonal que atravessa as linhas ferroviárias) e não pensou pequeno. A dimensão do grafíti é tal que, muito provavelmente, vai ser possível avistá-lo do espaço (quando as imagens de satélite do Google Maps forem, eventualmente, atualizadas).

A ousadia e o sentido de oportunidade do símbolo (apareceu ali algures entre 6 e 8 de março), na sua localização e dimensão, impressionaram-me. Não sabíamos, mas precisávamos de um símbolo destes: anónimo, indelével, feito à escala da cidade. Universal no seu significado.

O selo da saudade

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Foi uma semana meio desperdiçada, marcada pela falta de energia, sobretudo física, mas também criativa. Por isso, virei-me para o arquivo, onde encontrei esta fotografia de uma praia em Sagres, que me faz pensar num envelope de pedra, com uma aba feita de céu e mar. Olhar para novembro com os olhos de junho, deste junho, ainda parece um bocadinho irreal. O choque e a ansiedade de março já lá vão, mas a normalidade ainda parece estar longe. Aquela normalidade que nos permitia, por exemplo, desligar de tudo nas férias. Não me consigo lembrar de uma única coisa que estivesse a marcar a atualidade em novembro de 2019. A nível pessoal, só recordo o entusiasmo e a pressa que tinha, ao final de cada dia daquelas férias, para ir assistir ao pôr-do-sol no mar.