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horizonte artificial

ideias e achados.

Quantos dias cabem numa tarde de abril na Régua?

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Três fotografias do mesmo local, tiradas numa tarde de abril que parecia dividida entre várias estações do ano. Nunca ali tinha estado antes, nem imaginava que tal lugar estivesse no meu caminho. Limitei-me a seguir a linha férrea a partir da Régua, caminhando pela berma da estrada nacional 108 (as duas vias passam mais abaixo deste caminho enlameado), e aproveitei a existência de uma antiga escadaria para aqui chegar, a esta colina retalhada por vinhas com vista para o Douro.

Enquanto ali estive, senti-me como um daqueles personagens da ficção que são arrancados do seu espaço-tempo e projetados para um universo paralelo, inteiramente desconhecido. Foi um bocadinho assim para mim. Passo tanto tempo da minha vida na cidade que não me parecia possível ir parar, por minha exclusiva iniciativa, a um lugar tão bonito e, por algumas horas, só meu. E, afinal, o que é que eu estava ali a fazer? Esperava por um comboio que queria muito fotografar.

As fotografias que fiz resultaram no maior artigo que escrevi até hoje para o SAPO Viagens e, ainda assim, não consegui (não podia) contar ou mostrar lá tudo. O que ficou de fora foram estes momentos passados em vinhas, olivais e apeadeiros ao longo da Linha do Douro, fizesse chuva ou sol (mais sol, felizmente). E a felicidade (assim mesmo, com esta palavra irresponsável) de estar ali, fora do meu meio habitual — no fundo, fora de mim. Perseguir comboios? Recomendo a toda a gente.

Onde é que este blog anda?

Resposta direta: pelo SAPO Viagens, onde estou a dar uma mãozinha e a minha experiência até agora pode ser resumida num texto, aqui.

Adorei a viagem, amei escrever o texto. O meu próprio interesse por comboios, o deslumbramento com as paisagens do Tejo (o rio da minha aldeia, para citar Pessoa) e a descontração da tarefa fizeram com que este praticamente se escrevesse a si próprio. Não tirei notas ao longo da viagem, por isso, na hora de escrever, limitei-me a "bater umas bolas" com a memória e as ideias lá retidas.

Já tinha qualquer coisa escrita, quando voltei a escutar, do nada, os comentários soltos dos restantes passageiros à minha volta nesse dia. A exclamação sobre o Intercidades, por exemplo, fez-me levar o texto numa direção nova até aí e serviu de base para a ideia central que tentei passar: a experiência de viajar neste comboio histórico é completamente diferente daquela que um comboio normal na mesma linha pode proporcionar.

O relato da viagem estava praticamente terminado, só faltando um título para fechar o artigo, quando me chegou, finalmente, o eco da palavra "descapotável", pronunciada ainda a bordo do comboio por alguém nas minhas imediações. Não trazia nenhum contexto, nem autoria (consigo recordar-me da voz de um homem, mas nada mais). Era apenas uma palavra a aterrar-me aos pés, com a imagem de que precisava para completar a ilustração da diferença que representa, poder abrir uma janela e espreitar para fora da carruagem, viajar de cabelo ao vento e sorriso na cara.

Não é um texto fabuloso nem nada parecido, mas sei que seria metade do texto que acabou publicado, se não me tivesse recordado, no momento certo, dessas palavras à minha volta. Que brisa as soprou na minha direção? Na dúvida, vou passar a fazer como no BeiraTejo (o nome que também prefiro), e deixar sempre uma janela aberta.

Um sinal de paz na pauta da cidade

Ontem, vi uma reportagem sobre o fluxo de refugiados ucranianos a chegar à estação de comboios de Badajoz, ponto a partir do qual algumas dezenas continuam a sua viagem até Portugal num comboio da Linha do Leste da CP. Estive ali em meados de fevereiro, quando Badajoz parecia ser o sítio no mundo mais afastado de uma guerra (bom, e de tudo o resto, dada a pacatez da região). Apesar de se tratar de uma estação moderna (e servida, no lado espanhol, por comboios modernos), pareceu-me mais pequena e menos movimentada que algumas das estações suburbanas de Lisboa. Hoje, a crise humanitária posta em marcha pela guerra (que já deslocou milhões de ucranianos), já está à vista ali, que é praticamente, dada a proximidade da fronteira portuguesa, um aqui.

Os sinais da guerra estão por todo o lado, portanto, mas os da paz também. O mais impressionante deles, até agora, surpreendeu-me o olhar há poucos dias, e também envolve a ferrovia. Na realidade, é muito difícil não dar por ele: trata-se de um enorme símbolo da paz, pintado em azul escuro a toda a largura do caminho-de-ferro da Linha de Sintra.

Desconheço quem pintou o símbolo clandestino, mas quem quer que tenha sido, conhece bem a zona onde o fez (escolheu pintá-lo onde é possível vê-lo de cima, a partir de uma ponte pedonal que atravessa as linhas ferroviárias) e não pensou pequeno. A dimensão do grafíti é tal que, muito provavelmente, vai ser possível avistá-lo do espaço (quando as imagens de satélite do Google Maps forem, eventualmente, atualizadas).

A ousadia e o sentido de oportunidade do símbolo (apareceu ali algures entre 6 e 8 de março), na sua localização e dimensão, impressionaram-me. Não sabíamos, mas precisávamos de um símbolo destes: anónimo, indelével, feito à escala da cidade. Universal no seu significado.