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horizonte artificial

ideias e achados.

910 metros de atrevimento

A coisa mais digna de nota desta semana foi, sem qualquer dúvida, o documentário Free Solo, de Jimmy Chin e Elizabeth Chai Vasarhelyi, sobre o alpinista Alex Honnold e o feito a que se propôs em junho de 2017: fazer a primeira escalada livre (ou seja, apenas com as suas mãos e pés, sem ferramentas e cordas de segurança) da fachada do El Capitan, a famosa parede de granito do Parque Nacional de Yosemite, nos EUA, com 910 metros de altura. O documentário foi descrito assim no NYT (e a razão que me fez ir à sua procura):

"The film is a drug. It causes your pupils to dilate, your palms to sweat, and your mind to boggle. Even as you know that Honnold is going to make it to the top, you can’t believe what you’re seeing."

- Bret Stephens, em Alex Honnold, a soul free in 'Free Solo'

Passou no National Geographic, em março, mas se conseguirem apanhá-lo algures, não hesitem. Quando parece que vivemos num mundo em que já foi tudo feito e inventado, vem um tipo que olha para uma parede com milhões de anos e pensa que pode fazer algo novo pela primeira vez, haja atrevimento e, neste caso, uma dose invulgar de indiferença à morte.

Por fim, o que são 910 metros? Como qualquer pessoa nascida na era de Hollywood, tinha uma referência cinematográfica do El Capitan, mas foi só ao ver este documentário que me apercebi que não tinha ideia da sua verdadeira escala. Sem estar fisicamente lá, só percebemos a enormidade da coisa (e do desafio que é captá-la em filme), até vermos um plano aproximado do Alex a escalar a parede, filmado a partir de um ponto de observação no chão, e a câmara começar a fazer zoom out para mostrar o seu progresso. A escala é tão absurda que o recuo do zoom, dada a distância, não chega para mostrar o El Capitan na totalidade. Os realizadores tiveram de recorrer a uma animação em computador para abrir por inteiro o plano sobre o gigante de granito, que nem nos nossos olhos de vidro parece caber.

O palco mais impressionante de Lisboa

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A fotografia é de janeiro, da tarde em que encontrei o Acácio e o Warren a levantarem voos com as suas guitarras no Miradouro da Nossa Senhora do Monte. Os dois formam os Port du Soul e descrevem a sua música como "uma fusão de Fado e Folk nascida nas ruas de Lisboa". O resultado é mesmo muito bom e pode ser escutado aqui sem compromisso. O meu tema preferido é o terceiro ("Lap Lighter vs Braveheart"), o único que ouvi ao vivo naquela tarde e no qual as duas guitarras se lançam numa perseguição desenfreada uma da outra. Eles têm pelo menos um concerto marcado este mês, mas continuam a tocar na rua e a dar música à cidade.

achados: de ouro

Não presto particular atenção ao cartaz anual que anuncia os óscares, mas o deste ano é um coup d'état. É da autoria do Olly Moss, que ilustrou a estatueta dourada ao estilo dos 84 vencedores do óscar de melhor filme de 1927 a 2012. É uma ideia que não dá para repetir todos os anos, mas cumpre o objetivo na perfeição: intrigar ao ponto de ir buscar a lista dos premiados para tentar descodificar cada estatueta (sobretudo ali das décadas 80 e 90). O SAPO Cinema dá uma ajuda, com um slideshow que mostra o cartaz do filme a que corresponde cada estatueta.

achados: Those Who Make

O screenshot é deste vídeo, sobre Pim Kousemaker, que se dedica ao restauro de automóveis clássicos. Ele explica no vídeo a sua paixão pelo que faz e a certa altura sai-se com a frase acima, que achei que merecia citação, porque tendo a fazer o mesmo. Consigo ficar 10 minutos a contemplar o resultado final de um trabalho ou a solução que encontrei para um problema, por mais insignificante que seja (pode ser um pedaço de CSS ou uma saboneteira nova...).

 

Encontrei o vídeo num canal do Vimeo chamado Those Who Make, que reúne vídeos de todo o mundo sobre gente que se dedica ao artesanato, ou mais simplesmente, a fazer coisas. Aviso já que é o tipo de coisa que uma vez aberto, é incrivelmente difícil de parar de ver. (via) São vídeos muito curtos, extremamente bem filmados e editados, onde se aprende sobre os mais variados ofícios, alguns dos quais nem sabia que existiam ou ainda eram praticados.

achados: Barbara Hannigan

Aproveitei a dica do Luís e fui assistir à exibição do documentário "Intervalo" de Tiago Figueiredo sobre a Orquestra Gulbenkian, a propósito dos seus 50 anos. É uma autêntica visita de estudo cinematográfica ao backstage da Orquestra e quotidiano de todos os que lá trabalham, dos músicos até aos técnicos de luz e som que ajudam a preparar cada concerto. Só por isso já pode ser considerado uma hora bem passada, mas o que me surpreendeu mesmo, e para mim roubou o espetáculo, foi Barbara Hannigan.

A soprano canadiana passou pela Gulbenkian no início do ano com a sua interpretação da ária Mysteries of the Macabre, de György Ligeti, e o excerto da sua atuação, onde além de cantar também conduz a Orquestra, é um dos pontos altos de "Intervalo", sobretudo para quem vai com uma ideia já definida de como um maestro e uma orquestra se devem comportar. Se quiserem ver do que falo, basta carregar Play no vídeo abaixo, e ver Hannigan na dupla condição de maestrina e soprano a desempenhar o papel de uma "paranóica chefe de uma polícia secreta".

Estou quase disposto a apostar que foi a primeira vez que a Orquestra Gulbenkian atuou com uma maestrina apropriadamente vestida para uma sessão de S&M a seguir ao concerto.



Vale a pena ler a entrevista e a sua biografia no site da Fundação para ficar com mais algumas luzes sobre o seu percurso, que é um bocadinho mais convencional do que o cabedal pode fazer parecer:

a grande lição transmitida pela minha primeira professora foi a de correr riscos. E aos 19, 20, 21 anos, quando tinha um concerto, no final ela vinha ter comigo e dizia-me «estou tão orgulhosa de ti por teres arriscado». E a repetição dessa frase deu-me talvez a coragem de continuar a arriscar.


"Intervalo" volta a ser exibido no Grande Auditório da Fundação esta sexta-feira (hoje, portanto), às 17h, com entrada livre. Entretanto, vou tentar conformar-me por ter perdido o concerto do ano, quem diria, na alcatifada Gulbenkian.

posto de escuta: Rebecca Mayes

 

Queria ter falado dela neste blog há mais tempo, mas a coisa boa de um "achado" é que nunca perde a validade, sobretudo quando toca harpa e canta como Rebecca Mayes, uma "cantautora" britânica que ficou conhecida por fazer "críticas" de videojogos sob a forma de canções.

 

A sua música foi um dos meus achados musicais (daqueles de guardar no coração) de 2011. Imaginem Kate Bush ou Aimee Mann a cantar sobre Resident Evil, Halo e Batman, e ficam com uma ideia aproximada do quão especial é Mayes.

 

Começou tudo por brincadeira, com uma música sobre um jogo de computador escrita a pedido de um amigo e, na sequência disso, o convite de uma publicação online para repetir de duas em duas semanas a experiência de compor uma canção nova sobre um jogo. Foi assim que, apesar de não os jogar nem querer fazer críticas profissionais, acabou a cantar sobre a realidade alternativa dos videojogos.

 

"The Epic Win" é o álbum no qual juntou algumas das canções que gravou durante esse período e foi através deste (lançado originalmente em 2010 e disponível no iTunes) que fiquei a conhecer a sua música, uma doce fusão de folk e pop com uma inesperada fonte de inspiração. As suas canções são essencialmente "musings" sobre o escapismo proporcionado pelos videojogos, visto aqui pelos olhos de alguém que caiu acidentalmente na toca do coelho e foi parar a um mundo virtual povoado por avatares e criaturas estranhas. E é uma queda que vale a pena seguir e ouvir com atenção.

 

Um videojogo é um lugar estranho e arriscado para buscar introspeção, mas é um desafio que Mayes supera com ligeireza e destreza, ao ponto de fazer parecer que compor uma canção é a coisa mais fácil do mundo (como que a prová-lo, cruzei-me no YouTube com este breve How to write a song in one hour, da sua autoria).

 

Há mais da sua música a descobrir, incluindo esta recente e pequena atuação nos Jogos Olímpicos de Londres, onde escolheu interpretar uma cover de "Eye of the tiger", mas estas são as minhas favoritas de "Epic Win": "Batman's Tea Party", "Don't shoot them", "Shadows" e, preferida pessoal, "The Machine", que pode ser ouvida abaixo.

 

Na canção "Fight", Mayes convoca a certa altura a imagem de um "secret heart" (como se um coração já não fosse suficientemente misterioso). A existir, a sua música conquistou os meus dois corações.