Primavera
Sexta-feira, 20 de março
Levantei-me da cama ao som da chuva. Quis olhar pela janela para acreditar e respirar de alívio. Sei que muita gente não irá sentir o mesmo, mas só posso falar por mim: não suportava mais um dia passado em casa com sol lá fora.
É o início da Primavera e, sinto cá dentro, do fim da angústia e incerteza que esta semana trouxe. Os primeiros sinais disso estavam no comércio local: não precisámos de fazer fila na frutaria e no talho ao fundo da rua. E já havia frango do campo.
Uma das maiores causas da minha ansiedade nos últimos dias era, precisamente, a situação das compras, e a difícil gestão da necessidade versus risco. Não quero mais passar por uma situação como a de terça-feira, no mercado da freguesia.
Na volta a casa das compras, deparo-me com uma mensagem inesperada de encorajamento a fazer a curva. No letreiro de um autocarro da TST, a alternar com o número da carreira, duas enormes palavras a laranja: FORÇA PORTUGAL. Detive-me, surpreendido pelo impacto de duas palavras em maiúsculas num letreiro eletrónico. Como alguém que acredita no poder dos pequenos gestos, e naqueles que encontram o seu destinatário numa hora e local incertos, era impossível ficar indiferente. A serendipidade é isto: duas palavras lançadas ao ar que aterram aos nossos pés.
Acabei por partilhar o relato do momento no twitter e, entre alguns retweets e favoritos (para a minha média, que costuma ser zero ou nenhuns, chegou a intimidar), alguém fez a piada inevitável: "O Euro foi adiado pá!". Ri-me, claro.
No final do dia, o balde de água fria: as atualizações dos números de infetados e mortos em Itália, Espanha e França. A sensação de otimismo de que a normalidade pode estar ao virar da esquina esvaiu-se ali mesmo. O receio pelos nossos volta a agitar-se e leva a questionar novamente a prudência de cada gesto e saída à rua.