O medo também arde sem se ver
Quinta-feira, 19 de março
Tenho prestado atenção às palavras e frases que têm surgido para descrever os tempos extraordinários que estamos a viver. Hoje, no Público, uma frase memorável sobre os últimos dias: "a semana em que a Terra parou". Ontem, outra expressão, que já não sei atribuir ao autor, emprestada da economia, para descrever as sequelas sociais e psicológicas que esta crise pode causar: "recessão social".
Ainda é difícil acreditar na rapidez com que vizinhos e gente que se conhece de vista há anos no mesmo bairro se passou subitamente a olhar com suspeita e distância. O medo também arde sem se ver, e este parece ter consumido, do dia para a noite, cidades inteiras.
Mesmo hoje, apenas dias depois de tudo isto começar, chego a duvidar que alguém consiga dizer como é que começámos todos, de um momento para o outro, a guardar 1-2 metros de distância uns dos outros na rua. De resto, a ideia de "distanciamento social" é impressionante para um anacoreta como eu. Não sou de grandes afetos físicos, e passo bem sem ter alguém "colado" a mim numa fila, mas acho esta nova distância inquietante. Foi preciso uma pandemia global para perceber como era, afinal de contas, um adepto da proximidade social.
Esta noite, nas notícias, vi imagens das enormes filas de espera que se formaram à porta dos supermercados britânicos, agora que o Reino Unido também começou a fechar. O denominador comum que permite diferenciar as imagens desta crise de outras anteriores? Aquele espaço inesperadamente exato (como se tivesse sido marcado com fita métrica) entre cada pessoa na fila.