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horizonte artificial

ideias e achados.

Como criar um blog de sucesso?

Este texto não é realmente sobre aquilo que o título sugere que é

Comecei a escrever este post há uns anos, só que fui-me esquecendo dele nos rascunhos, e quando dei por isso, deixaram de me fazer a pergunta no título. Não quis desperdiçar a chama-piloto, por isso decidi avançar mesmo assim com o post e alinhar alguns pensamentos algo dispersos sobre isto de ler e escrever blogs.

Quem chegou aos blogs nos primeiros anos atrás de uma certa ideia de sucesso, ligada ao lifestyle e à ostentação, descobriu entretanto o Instagram e não olhou duas vezes para trás. Vistos desse ângulo morto, é inegável que os blogs perderam mediatismo e apelo económico. Se é para mostrar, e comercializar aquilo que pode ser mostrado, haverá melhor meio para o fazer do que uma plataforma onde o tempo estimado de consumo e interação é medido em segundos? E atenção, isto não é uma crítica. Adoro a ideia na base do Instagram, e que o próprio nome evoca: a ideia de um telegrama visual. Sou utilizador diário há mais de dez anos e, apesar dos contras (aos quais precisaria de dedicar um post inteiro), continua a ser uma plataforma importante para a minha criatividade. Posto isto, o que resta aos blogs é aquilo que está na génese deste formato de publicação, e continua a motivar a maioria dos que por aqui andam: o desafio criativo e um sentido de realização pessoal pela palavra escrita.

A escrita é das poucas formas de criatividade que não dá para falsificar. Sim, podemos copiar, plagiar, até mesmo contratar um escritor-sombra, mas ninguém se safa com isso a médio e longo prazo, especialmente num blog, em que cada post funciona como certificado de autenticidade do próximo. O estilo da linguagem, a diversidade do vocabulário, até a forma como se separam os parágrafos (sem linhas vazias, por favor) servem como marcadores textuais da autoria. E depois há a autenticidade do que é exposto, que não é tão importante. Mesmo a esse nível, contudo, sei que há boas probabilidades de estar a ler uma experiência em primeira mão quando tropeço numa analogia inesperada, que ilumina um tema ou acontecimento e surpreende pela sua especificidade. Não tem de ser necessariamente um jogo de palavras bem conseguido, basta ser um cruzamento de referências que só podia ter ocorrido àquela pessoa, naquele momento, no encontro entre memória e situação, e que revela uma nova forma de ver algo.

Escrever, para mim, é a forma mais difícil de criar. Segue-se que escrever bem, com originalidade e verve, seja ainda mais árduo de alcançar. Não acredito no nasce-se com isso, mas pela minha experiência como leitor, também não é algo que vejo acontecer por acidente ou mera persistência. É por isso que é tão mais fácil mostrar o que aconteceu com uma fotografia do que contá-lo por escrito. A imagem digital é uma criação automática na qual a nossa intenção serve apenas de gatilho. Tudo o que acontece entre o disparo e o resultado final faz curto-circuito ao pensamento. Escrever é filtrar a existência pela linguagem, com todas as suas limitações e exigências (de tempo, cultura geral e literária, etc).

Parece impossível que não deixemos uma atividade tão exigente do nosso raciocínio e imaginação a quem a tem de praticar profissionalmente numa base diária, como os escritores e os jornalistas. Sinto uma réstia de inveja por quem se propõe a trabalhar para uma agência noticiosa, qual linha de produção de textos, e tem de estar preparado, a todo o momento, a escrever sobre qualquer tema, seja um atentado terrorista de proporções e contornos inéditos ou um fenómeno meteorológico raramente visto. A prática e as convenções jornalísticas ajudam, claro, mas aspiro a essa capacidade para escrever sobre tudo.

A minha curta experiência no jornalismo, todavia, confrontou-me com as minhas limitações como autor. Qualquer que fosse o tipo de artigo (uma curta adaptada da Lusa ou um raro artigo de abertura da secção), gastava sempre largas horas a martelar o Back Space e a recauchutar o texto. Só já muito em cima da hora de fecho é que lá me via forçado a escolher um enquadramento e a correr com ele. Por vezes, ia contra a parede.

Mesmo hoje, depois de mais de mil posts publicados aqui, continuo a debater-me com as mesmas dificuldades. A grande diferença no blog, claro, é que não há hora de fecho (este post, por exemplo, esteve a maturar vários dias nos rascunhos) e, mesmo que escape algum erro flagrante, posso vir aqui editá-lo. O papel não confere esse beneplácito, como descobri no dia da publicação do meu primeiro artigo de abertura de secção no DN (uma oportunidade cara a qualquer estagiário). O orgulho desse dia deu rapidamente lugar ao desengano, quando abri um exemplar do jornal à procura do meu artigo e percebo que repeti a mesma palavra, não duas, mas três vezes (!) na introdução. Lembro-me de ter largado o jornal como se tivesse saído dele um aranhiço e de ter decidido fazer tábua rasa do assunto, esquecendo que o artigo existira — se não podia estar orgulhoso daquele texto, para mim só podia contar como dissabor.

A escrita é a pior das matemáticas, na medida em que recusa fórmulas e ilude qualquer explicação. Não é raro dar por mim a ler duas, três vezes um texto que me chamou a atenção, na ânsia de aceder aos segredos da sua lógica interna. Não é preciso sequer que o tema me interesse especialmente ou que o autor tenha procurado usar um registo diferente do habitual. Basta uma certa cadência, imediatamente reconhecível, para me cativar. Normalmente, são textos que só imagino como tendo sido escritos de rajada, com hesitações mínimas por parte do autor.

É por tudo isto que falar de sucesso num meio baseado na escrita parece-se um bocadinho a falar de sucesso no seio de um clube de xadrez. Existe alguém que se inscreva num campeonato de xadrez pela fama? O desafio do jogo, o estímulo mental do taticismo e a recompensa do xeque-mate valem por si. Da mesma forma, acredito que uma boa parte da motivação para manter um blog esteja ligada à satisfação íntima causada pela escrita ou, para ser mais rigoroso, à satisfação obtida pelo processamento que a escrita faz do pensamento (ou deslumbramento). Há casos em que uma fotografia pode valer por mil palavras, mas há coisas (sensações, memórias, pensamentos) que só a escrita é capaz de fixar e contar.

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