A palavra mais bonita
Estive quase para não ir e sinto que essa frase é uma espécie de bifurcação que separa dois universos paralelos. Num deles passei a noite da passada quinta-feira no sofá e não fui ver o espetáculo "A palavra mais bonita" da Maria Giulia Pinheiro. Neste universo, venci o cansaço e a preguiça e fui recompensado com um dos espetáculos de teatro mais especiais a que assisti nos últimos anos.
O caroço do espetáculo é a história do último ano de vida do pai da artista e de como a doença o privou da fala, dos movimentos e, no fim, de uma despedida. As palavras nunca ditas são substituídas pelas palavras que a criadora vai pedindo ao público: "Qual é a palavra mais bonita que você usou para pedir perdão?" ou "Qual é a palavra mais bonita que associas a democracia?" são alguns exemplos das perguntas que vai colocando.
Num momento, estamos a tentar fazer sentido da tragédia pessoal da artista, no outro somos precipitados numa enxurrada de pensamentos e recordações. Não cheguei a contribuir com uma palavra, mas acredito que todos nós, na plateia, estivéssemos a pensar furiosamente numa resposta a cada pergunta. O resultado eram listas de 4 ou 5 palavras por pergunta, anotadas num acetato projetado contra a parede. Como peixes fechados num pequeno aquário, as palavras pareciam todas querer seguir em direções diferentes, com o tema da pergunta a servir de vidro e a impedi-las de escaparem.
Esta vertente interativa é só uma das facetas do espetáculo, mas é também uma das mais bonitas. Foi fascinante assistir ao vivo a esse exercício de criação coletiva.
No final, a Maria Giulia sentou-se à mesa do projetor e fez aquilo que ela descreveu como costura, mas que também pode ser descrito como magia. Pegou em algumas das palavras oferecidas ao longo da noite pelo público e, projetada na parede, escreveu poemas.
O amor é a palavra mais bonita e a maior força criadora.
Obrigado, Maria Giulia.