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horizonte artificial

ideias e achados.

A livraria na colina

Ainda no tópico dos jardins, deixem-me falar-vos de um dos mais bonitos que fiquei a conhecer este ano, ainda que só através das páginas de um livro. Gostei muito de "A livraria na colina", no qual Alba Donati, uma poetisa italiana, conta como foi abrir e manter aberta uma livraria na sua terra natal, uma vila com pouco mais de uma centena de habitantes situada na Toscânia.

A aldeia de Lucignana oferece vistas panorâmicas dos Apeninos e um refúgio ideal para quem se desencanta com a vida nas grandes cidades. É lá que Donati instala a sua livraria, numa pequena loja que, crucialmente, também abre para um pequeno jardim. Digo crucialmente pois, se a livraria é a protagonista deste diário, o jardim é o objeto do seu afeto.

Gostei tanto, tanto de ficar a conhecer esta livraria-jardim que dei por mim a avançar apenas algumas páginas de cada vez que abria este diário (quando gosto de um livro, não o devoro, passo a debicá-lo). Durante alguns meses, sempre que retomava a leitura, sentia como se tivesse viajado até Itália e pudesse passar alguns momentos no espaço físico da Libreria Sopra la Penna.

"Gosto de livros que me fazem ler outros livros. É uma cadeia que jamais devemos interromper. A única forma de eternidade que podemos experimentar é aqui na Terra", dizia Pia [Pia Pera]. O jardim é uma forma de eternidade.

E este é um desses livros. Cheguei à última página com uma lista de livros recomendados que vou precisar de bastante tempo (alguns anos, com certeza) para completar. Donati tem um jeito especial para falar dos seus livros preferidos e muito deles foram inspirados pelo contacto com a Natureza. Um pequeno (grande) excerto onde isso fica evidente:

Creio que o jardim seja em parte culpado de tudo isto. O velho pessegueiro que dava pêssegos enfezados, após a poda presenteou-nos com pêssegos gigantescos, o plumbago [uma espécie de arbusto] cresceu uns dois metros. Encomendei um livro fundamental sobre o poder das flores. Foi escrito em 1907 por um poeta e ensaísta, além de prémio Nobel, Maurice Maeterlinck, e intitula-se A Inteligência das Flores. A beleza do livro está na sua falta de vontade científica, classificatória. Tal como nós, as flores pensam, percebem por intuição o caminho mais simples, evitam percursos difíceis, e lutam, têm espíritos revolucionários. Maeterlinck conta as vidas das flores como se fossem façanhas cavaleirescas, por vezes condenadas ao fracasso. Estou a pensar na pobre luzerna, que volta a colocar dentro de leves espirais as suas sementes para abrandar a sua queda e permitir que o vento as leve para longe. O mais comovente é a inutilidade daquilo. A planta está demasiado perto da terra e a semente cai num abrir e fechar de olhos.

No final de cada entrada do seu diário, Donati lista as encomendas de livros que os seus clientes lhe fizeram nesse dia. De início, dava por mim a saltar esses títulos. À medida que fui entrando no dia-a-dia da livraria, contudo, comecei a prestar atenção e a reparar naqueles que apareciam mais repetidos. Não me admirava descobrir que a semente deste livro foi isso, um mero registo dos títulos encomendados, que foi ganhando vontade de contar algo mais sobre o quotidiano de uma livreira (justificadamente) orgulhosa da sua livraria com vista para as montanhas.

Saiu um livro de Martin Latham, livreiro da Waterstones de Canterbury. Também ele deixou tudo, uma brilhante carreira de professor iniciada na Universidade de Hertfordshire, para se dedicar à livraria. O primeiro capítulo de Crónicas de Um Livreiro fala de livros de consolação, aqueles livros que vêm antes das leituras conscientes. O livro de consolação encontra-se por acaso, como um amor, e aplaca os nossos medos, guardamo-lo para nós como se fosse um segredo, apertamo-lo contra o peito, cheiramo-lo, nunca o referimos em contextos oficiais, ele é uma questão privada.

Ainda estou a pensar na resposta que daria sobre os meus livros de consolação, mas não restam dúvidas que esta obra constaria da minha lista. Se gostam de livrarias, de jardins e de Itália, não procurem mais e vão comprar o vosso exemplar — a capa não engana, é mesmo um livro bonito.