Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

horizonte artificial

ideias e achados.

Uma fotografia de 2019

Tatiana-Mosio Bongonga a andar na corda bamba, na Alameda

Desta vez não foi fácil escolher uma fotografia que representasse o meu ano (a de 2018 está aqui). Houve ondas gigantescas, entardeceres únicos e muitos passeios pela natureza. Mas se me perguntassem qual foi a coisa mais incrível que fotografei nesta volta ao Sol, a minha resposta continuava a ser um nome: Tatiana-Mosio Bongonga.

Não sabia bem ao que ia, naquele primeiro dia de junho, mas o convite da Câmara de Lisboa ao público para vir até à Alameda Dom Afonso Henriques assistir a uma mulher a caminhar no vazio parecia tão improvável quanto irresistível. Esperava, pelo menos, conseguir uma fotografia especial. No fim do dia, dei por mim a editar centenas delas. Continua a ser, de longe, o evento do ano de que guardo mais imagens.

Entre tantas, escolhi a fotografia acima porque ilustra bem a dimensão do acontecimento. Milhares de pessoas com os olhos postos numa figura isolada, a caminhar numa corda a 30 metros do chão. Se não fosse arte, seria religião.

Não me ocorre outra circunstância, senão na arte, em que seja possível observar, durante uma hora, alguém a percorrer 300 metros na nossa direção. Essa hora gravou na minha memória (digital e mental) o sorriso da Tatiana, a cada passo mais nítido e cintilante. Era o sorriso inconfundível de quem triunfa sobre o medo e tem consciência de estar a protagonizar um prodígio, da arte e da ousadia humana (dois termos para a mesma coisa provavelmente).

O meu desejo para 2020 é que volte a inspirar e dar-nos a ver mais feitos desta ordem, sem rede nem medo.

O Porto numa imagem

Frente ribeirinha do Porto

Em Lisboa, vejo o pôr-do-sol como um evento no horizonte, com a ponte 25 de abril como moldura. No Porto, a atenção vira-se, pelo contrário, para a cidade. É nela que o pôr-do-sol é projetado e que, já noite dentro, o espetáculo continua à medida que a frente ribeirinha se vai acendendo. Voltar ao Porto significa voltar a Vila Nova de Gaia e sentar-me para contemplar um dos entardeceres mais bonitos que conheço.

Detonação no horizonte

pedron18-6597 (1).jpg

Rumei a Sul por alguns dias e teria sido uma viagem feita de recordações puramente familiares se não tivesse sido a paragem na praia da Bordeira, na Carrapateira. O objetivo era assistir ao pôr-do-sol no oceano, mas ali, nesta altura do ano, o ocaso acontece mesmo em terra. Já estávamos prestes a virar as costas, quando nos chegou o impacto sonoro do que parecia ser uma detonação no horizonte. Eram ondas gigantes, as maiores que já vi ao vivo, a despenharem-se contra a falésia e a estilhaçarem-se no ar.

Um espetáculo impressionante que é difícil passar em fotografia se não houver escala para comunicar a  dimensão daqueles embates. Felizmente, havia um casal francês de namorados que não teve medo de se aproximar (demasiado) do mar e que permite dar uma ideia da altura das ondas. Alguns instantes depois, prudentemente, recuaram para uma distância de maior segurança.

Fica este postal da Bordeira, e de um final de tarde para recordar.

Outono em Monsanto

Campainhas

Senti-me inspirado pelo blog que descobri na semana passada a partir à procura dos sinais do Outono num dos meus sítios preferidos da cidade, o Parque Florestal de Monsanto. A palete de cores e texturas que encontrei é rica e variada. Há tons de amarelo, como seria de esperar, mas também de verde, encarnado e violeta, como mostram as campainhas acima, que mais parecem turistas perdidas da Primavera.

Folha amarela

Tirei dezenas de fotografias ao longo de dois curtos passeios no sábado e no domingo. Se não fosse a constipação que me sequestrou esta semana, teria voltado mais vezes. Há ali um espetáculo íntimo de pormenores e contrastes a decorrer que recompensa o passo lento e olhar demorado.

Cogumelos junto a árvore

Já mesmo a terminar o segundo passeio, dei por mim a estranhar não ter encontrado cogumelos a crescerem. É uma floresta rodeada pela cidade, mas uma floresta mesmo assim. Bastou dar mais uns passos para descobrir estes três amigos à sombra de uma árvore. São os primeiros que alguma vez fotografei (já com muita pouca luz e alguma vegetação pelo meio) e os únicos que encontrei neste dia.

A ponte no horizonte

pedron17-5997.jpg

 A ponte, vista a partir de Almada. Janeiro, 2018.

 

Terminei de ler há dias "A Ponte Inevitável", de Luís F. Rodrigues, sobre a história da ponte 25 de Abril. É uma leitura, lá está, inevitável para qualquer pessoa que ainda guarde um certo espanto com a escala deste gigante de aço sobre o Tejo.

O livro traça o início da história da ponte ao século XIX, à primeira proposta de uma travessia entre Lisboa e Margem Sul. Vale a pena ficar a conhecer as diferentes ideias que gerações de políticos, engenheiros e projetistas tiveram em relação à localização e configuração que essa travessia podia vir a ter. Estes estudos mostram como, apesar do seu carácter inevitável, esta também foi uma ponte sucessivamente adiada. A sua construção, na década de 60, juntou essa vontade antiga de unir as duas margens à moderna engenharia do século XX, a mais bem preparada até aí para ambicionar realizar mega-construções.

A história da ponte não acaba com a sua inauguração em 1966. O fim do Estado Novo, o crescimento urbano e a sua manutenção ao longo das décadas foram colocando novas necessidades à estrutura, que o autor aborda recorrendo a várias perspetivas, da história ao urbanismo. Não consigo resistir, todavia, a isolar aquela que mais me agradou encontrar neste livro e que mais impressiona no dia-a-dia da ponte: a estética. Um pequeno exemplo:

“Relativamente à luz, existem aspectos que passam mais despercebidos, nomeadamente, que a experiência estética da ponte é diferente conforme a localização do observador: em Lisboa, olha-se para uma estrutura a sul, ou seja, mais intensamente banhada pelo reflexo da luz do que em Almada. A sensação de desfrutar do pôr-do-sol através da ponte é uma experiência exclusiva de quem a vislumbra a partir do nascente.”

 

A partir do Cais das Colunas

A ponte, vista a partir do Cais das Colunas. Dezembro, 2017.

 

Falar sobre a ponte 25 de Abril sem mencionar o seu estatuto icónico no horizonte de Lisboa resultaria inevitavelmente numa abordagem incompleta à sua estrutura e importância. E uma maneira de tratar esse tema passa por abrir o Instagram. É citado um estudo académico que procurou identificar os monumentos e locais da cidade de Lisboa mais vezes referidos na plataforma:

“Se reduzirmos a lista das suas preferências a elementos monumentais singulares, a Ponte 25 de Abril está inevitavelmente incluída no Top 10 das referências mais importantes da área metropolitana de Lisboa (...). As características deste tipo de informação permitem ainda saber, com exactidão, quais os meses do ano e as horas do dia em que a Ponte 25 de Abril foi mais referenciada/fotografada. Assim, a visualização da infra-estrutura portuguesa atinge picos em Março e Agosto - meses típicos de presença turística em Portugal (...). Relativamente às horas do dia em que a travessia é mais escrutinada pelos turistas das redes sociais, o período da tarde destaca-se claramente dos demais. Dado que o pôr-do-sol em Agosto acontece entre as 20:00-20:30 horas, não será de surpreender que os turistas optem por captar imagens prévias a esse momento - pelo que o período das 19:00 é o mais concorrido a nível fotográfico.”

 

Terreiro do Paço

Terreiro do Paço. Janeiro, 2017.

 

Fascina-me esta ideia de poder tentar medir o número de vezes que um objeto, mesmo um tão grande quanto esta ponte, é visto e registado. Subjacente a isso está a premissa de que fotografamos o que valorizamos. E o que tanto nos impressiona na ponte 25 de Abril? É a sua escala? A harmonia estética da sua geometria? É a geografia em que se encontra? É a vigília sobre as águas do Tejo das duas torres gémeas? Ou é a tensão viva das suas linhas? E que formas ou figuras são convocadas pelo seu desenho? Há muitas maneiras de investigar a ponte e de coleccionar respostas a estas perguntas. O livro "A ponte inevitável" é uma delas (e muito boa na forma como o faz). A arte é outra (estou muito curioso para ir ver ouvir a Shadow Soundings, por exemplo). A minha maneira favorita, mesmo assim, e aquela que está ao alcance da maioria de nós, ainda é a fotografia.

 

Cais das Colunas

Setembro, 2017.