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horizonte artificial

ideias e achados.

Um elogio ao Masterchef Portugal

A Fernanda, com 56 anos, é uma das concorrentes mais velhas no Masterchef Portugal e há algumas semanas foi escolhida por outro concorrente para enfrentar uma das provas de eliminação mais duras, até aí, no programa (não me recordo da mecânica, mas o desafio era quase maquiavélico no grau de dificuldade). Notou-se o espanto e o cansaço na sua reação, ao perceber que seria novamente posta à prova, mas o painel de apresentadores-jurados (os chefs Vítor Sobral, Marlene Vieira e Óscar Geadas) tinha mais uma surpresa na manga: deu-lhe a hipótese de escolher o concorrente com quem iria disputar a permanência no programa. E foi aqui, com a resposta da concorrente, que o programa conquistou-me.

Colocada perante a hipótese de escolher qualquer um dos concorrentes mais "fracos" ainda em jogo, a Fernanda optou por bater-se contra um dos concorrentes que já se tinham destacado pelas suas habilidades culinárias (o colombiano Alberto). E não há outra forma de dizê-lo: foi arrebatador vê-la emergir vitoriosa do desafio, contra todas as expetativas. Um triunfo pessoal ainda mais significativo por ocorrer face um competidor em pé de igualdade. Quantas vezes vemos alguém, na televisão ou na vida real, escolher participar num duelo de iguais?

Seria possível descartar o programa como mais um produto de reality tv na cozinha, sem história, se não tivesse gerado vários destes momentos emocionantes, em que o público teve a oportunidade de ver os concorrentes superarem-se, não só nas suas capacidades culinárias, mas também na forma de competir entre si (embora, claro, nem todos os concorrentes tenham estado sempre à altura).

O concurso deve muito do apelo ao seu formato, centrado na criatividade gastronómica (tirando as provas exteriores, as câmaras nunca deixam a cozinha-estúdio), mas também aos padrões de exigência que os três apresentadores imprimem na competição. Cheguei a achar que ter três pessoas a apresentar seria, quase literalmente, demasiados chefs na cozinha, mas o casting foi mesmo feliz. Os três complementam-se bem e isso é digno de nota por se tratarem de pessoas que, apesar de já serem figuras destacadas na sua área, não estão habituadas a conduzir programas televisivos com quinze episódios, cada um com a duração de hora e meia (uma maratona televisiva, até para os espetadores). De resto, é difícil imaginar qualquer um deles aceitar emprestar o seu nome e prestígio a outro formato de competição culinária menos preocupado em cultivar e destacar a excelência.

Acho que é a primeira vez que dedico um post inteiro a um programa de televisão, mas senti que precisava de passar a escrito algumas ideias sobre o que tenho visto, e a satisfação que me tem dado acompanhar um concurso assim, baseado na criatividade, que se esforça por elevar os seus protagonistas. E acredito que seja um esforço tremendo. O grau de exigência da competição, a logística dos desafios (alguns deles realizados em diferentes pontos do país, envolvendo produtos, tradições e figuras locais), a atenção ao bem-estar psicológico dos concorrentes, entre outras dimensões, devem fazer do Masterchef uma das produções mais complexas a serem transmitidas na televisão portuguesa. Embora saiba que isso faz parte da "magia", gostava que houvesse algum modo de desvendar um pouco mais desse trabalho invisível que entra na produção de um programa destes.

A final do Masterchef Portugal é transmitida este sábado, na RTP1 (que disponibiliza todos os episódios na RTP Play), e estou (é preciso dizer?) muito empolgado para ver como vão colocar à prova, e fazer brilhar, os quatro finalistas (ainda que, cá no fundo, esteja a torcer pela Tânia, a concorrente que me parece ter tido o desempenho mais consistente ao longo do concurso).

Nunca vou deixar as luzes do carro ligadas

Este fim-de-semana, pela primeira vez, conduzi sozinho ao longo de algumas centenas de quilómetros de auto-estrada. Tenho lido muito sobre a sensação de liberdade de andar de bicicleta (precisamos de um verbo para aquilo que fazemos realmente em cima de uma bicicleta, ali entre o andar, o deslizar e o engrenar), mas confesso o deslumbramento com a velocidade e o progresso de um automóvel numa estrada vazia. O meu não é particularmente veloz nem confortável, mas ainda não me habituei totalmente à ideia de poder entrar e manobrar inteiramente sozinho uma máquina a grande velocidade (no meu caso, entenda-se "grande velocidade" por 110km/h, que raramente ultrapasso). Dou algumas vezes por mim a pensar nos milhões de horas de trabalho necessárias para desenvolver, fabricar e aperfeiçoar os sistemas que me rodeiam e reduzem a complexidade da operação da máquina a alguns gestos e procedimentos.

Sei que a história do automóvel está muito ligada ao desenvolvimento do capitalismo, do individualismo, do urbanismo, entre outros -ismos, e que muito pode, e deve, continuar a ser dito em relação à nossa dependência do automóvel. Posto isto, é igualmente inegável que conduzir um automóvel em direção ao horizonte está entre uma daquelas experiências que provavelmente surripiámos aos deuses. Tenho amigos que falam disso como fazer terapia. Muito embora eu não esteja nesse nível (para começar, a terapia sairia mais barata, dado o preço dos combustíveis), sou levado, muito a contra-gosto, a concordar.

O meu elogio do automóvel é, acima de tudo, o elogio da distância que este permite atravessar sem grande envolvimento físico. Mas também é um elogio do refinamento da máquina, seja na redução da sua perigosidade, seja no aumento do seu conforto. Um exemplo disso é um dos meus detalhes preferidos do automóvel que conduzo: o alerta sonoro que dispara quando abro a porta ainda com os faróis acessos. Vê-se cada vez menos  nas nossas ruas (até porque a tecnologia mais recente já desliga as luzes automaticamente), mas sempre que avisto uma viatura estacionada com os faróis ainda acessos, comprazo-me pela atenção que alguém teve na introdução desta (aparentemente) simples funcionalidade no modelo do meu carro. Gosto dessa sensação, quase luxuosa, cada vez mais rara, de ter menos uma preocupação na vida.

Como tento ser um bocadinho mais feliz

Não resisti a ler há uns dias este artigo (que é realmente uma lista) do Guardian sobre 100 ways to slightly improve your life without really trying. Tirando o óbvio apelo a qualquer representante da espécie humana (quem não gostaria de melhorar a sua vida com pouco esforço?), parece-me ser o tipo de artigo que pisca o olho a quem, como eu, já tenta colocar em prática muitas das dicas lá reunidas. Por outras palavras, mais do que uma lista, desconfio tratar-se de uma checklist, cujo maior aliciante reside na satisfação que a identificação ou confirmação podem produzir junto daqueles que a consultem (sob a forma de "sou uma destas pessoas" ou do "já faço isto"). No meu caso, gostei tanto da sensação, que comecei a pensar nas pequenas e peculiares estratégias que adotei no meu dia-a-dia para melhorar a minha vida. Dentro do mesmo espírito do artigo, partilho aqui algumas das que me ocorreram até à "hora de fecho" do post:

1. Imprimo fotografias
Digitalizei grande parte das fotografias da nossa família, selecionei algumas que tirei entretanto com a minha própria câmara e tratei de as imprimir para emoldurar e pendurar lá por casa. No início de cada mês, mudo as fotografias nas paredes. Faz-me sentir um galerista em potência e convidar as recordações boas já é uma pequena maneira de melhorar a vida.

2. Reparo nos nomes das árvores
Esta é ligeiramente inspirada noutra da lista do Guardian. Diverte-me ter temas de conversa na manga que escapem ao óbvio. Falar de árvores parece-me ser um tema simultaneamente situacional (podemos comentar o que temos à nossa volta) e aspiracional (reconhecer e identificar os elementos de uma paisagem já é uma forma de conservação, de valorização e de auto-conhecimento). Em Lisboa, ainda por cima, basta prestar atenção, pois algumas árvores já têm nome (pequenas placas deixadas pelo município à volta dos troncos das árvores com a identificação da sua espécie).

3. Vejo um programa televisivo em família (no nosso horário)
A convivência diária, ampliada pela pandemia, também pode redundar na falta de temas para conversa. Lá em casa, descobrimos que ver todos os dias ao pequeno-almoço um bocadinho de um programa como o MasterChef  (cada episódio pode durar hora e meia, o que torna difícil de acompanhar pela noite de sábado adentro) pode ser empolgante e útil para aprender algumas receitas novas. É a primeira vez que estou a acompanhar a edição portuguesa do MasterChef e está a surpreender-me pela positiva. O grau crescente de exigência dos desafios do programa é mais intimidante, por exemplo, que qualquer prova de fogo no Hell's Kitchen (que, no interesse da transparência, admito que também estamos a acompanhar). O foco na culinária e na competição pela excelência eleva todos: concorrentes, jurados e espetadores. (E os meus favoritos para ganhar? A Tânia, o David e a Fernanda.)

4. Nunca deixo de experimentar uma pastelaria nova
A pastelaria portuguesa, enquanto arte e cultura, faz-me uma pessoa mais feliz. Se abriu uma pastelaria nova, contem comigo para ir lá experimentar alguma coisa. É mais uma forma de explorar diferentes zonas da cidade e de sair da rotina.

5. Ouço o Spotify à segunda-feira
O algoritmo do Spotify prepara todas as semanas uma lista gratuita de músicas recomendadas com base no histórico de cada utilizador. Entre as vinte e tais músicas, é raro favoritar mais do que uma ou duas, mas é quanto basta para ter ali um motivo para esperar por segunda-feira. Curiosidade parva: será que o algoritmo também descansa ao fim-de-semana?