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horizonte artificial

ideias e achados.

6 leituras de 2020

Uma seleção dos livros que mais me marcaram no último ano

Açores a pé, de Nuno Ferreira

Comecei a sua leitura no início do ano, quando ainda fazia parte dos planos voltar aos Açores, e não sonhava que 2020 seria quase todo passado em casa. Antes de surgir a pandemia e o confinamento, já sentia o desejo de partir numa viagem, e a do Nuno não deixa ninguém indiferente. Quem se imagina, hoje em dia, a percorrer ou chegar a algum sítio a pé? É uma proposta única, tanto para quem escreve como quem lê. E abriu caminho, claro, para a leitura, já em confinamento, de outra caminhada épica, Portugal a pé, pelo mesmo autor. 

Não sei quando poderá acontecer, mas este livro redobrou o meu desejo de regressar aos Açores, de ficar a conhecer mais ilhas do arquipélago e de voltar a sentir a hospitalidade dos açorianos.

O prazer da leitura, de Marcel Proust

O título sugere que se trata de um simples, ainda que belo, elogio à leitura e ao mundo dos livros, mas é um pouco mais sombreado do que isso. Proust descreve a leitura como um "milagre fecundo de uma comunicação no interior da solidão" (uma das descrições mais bonitas que já encontrei do ato da leitura), mas desconfia do culto dos livros e da ideia de que é possível cultivar e estimular o intelecto apenas pela leitura.

O Primo Basílio, de Eça de Queirós

Tenho um certo medo de pedir (e fazer) recomendações de leituras a amigos, mas quando uma acerta em cheio, a gratificação é a dobrar, pelo bom gosto na escolha: do livro e do amigo. É um romance que tem todos os ingredientes para uma leitura absorvente: humor, ironia, sexo, traição, crítica social e Lisboa do século XIX.

Marca de Água, de Joseph Brodsky

Falar em literatura de viagens em relação a este livro parece um bocadinho deslocado. Falta uma categoria onde arrumar livros que falem de viagens, sim, mas sempre com o mesmo destino. Literatura de sítios ou Literatura de viagens repetidas parece mais apropriado. No caso de Brodsky, trata-se de uma declaração de amor a Veneza, à sua geografia peculiar, aos seus mistérios e labirintos, às suas sombras e reflexos. 

A man on the Moon: the voyages of the Apollo astronauts, de Andrew Chaikin

Por falar em viagens, eis a mais ousada de todas elas. Já estão em curso os preparativos para enviar novamente homens (e, pela primeira vez, mulheres) à Lua, mas continua a ser difícil de acreditar que houve um tempo e um sítio no século XX (o século das grandes guerras, da explosão do capitalismo e do individualismo) em que foi possível mobilizar quase meio milhão de pessoas com um objetivo tão específico e limitado no tempo. Chaikin faz provavelmente o relato definitivo desse feito da engenharia e audácia humana, sem perder o foco nos 12 homens que pisaram a Lua. Quando lemos sobre os seus percursos de vida, os desafios que enfrentaram e as suas impressões de explorar um mundo extraterrestre, percebemos que são esses testemunhos que servem de prova irrefutável da presença do Homem na Lua. Ninguém com aquele nível de preparação técnica (e emocional) seria capaz de passar o resto da vida a ser recordado de uma mentira dessas pela visão constante da Lua lá no alto do céu.

Anna Karénina, de Lev Tolstoi

Ainda não o quis terminar, mas já é claro que se trata de um dos livros mais impressionantes e arrebatadores que li até hoje. A densidade psicológica dos personagens é tal que parece impossível que aquelas pessoas não tenham existido realmente em algum ponto da história da humanidade e que não tenham aceite partilhar os seus pensamentos com Tolstoi. Sabia que estava a abrir uma das obras-primas da literatura mundial, mas não ia preparado para me rever nas tristezas, ambições e angústias daquela galeria extravagante de personagens da Rússia Imperial. Não consigo desenvolver esta ideia até ao fim, mas imagino que este romance está, de alguma forma, na génese da psicologia moderna. Um dos poucos livros deste ano que tive de desistir de sublinhar logo nas primeiras páginas (sob o risco de todo ele ficar sublinhado).

Mais recomendações de anos anteriores na tag leituras do ano.

Um antídoto para 2020

Uma caminhada do tamanho de Portugal.

Percorrer o país a pé. Dá para conceber um projeto mais nos antípodas de 2020? Foi o que Nuno Ferreira se propôs a fazer, em 2009, e conta no seu livro, Portugal a pé, que andei a ler nos últimos meses. 

O que leva alguém a percorrer tamanhas distâncias pelo seu próprio pé, quando o pode fazer de automóvel ou bicicleta? O Nuno não perde tempo a explicá-lo. Qualquer que tenha sido o motivo para encetar um projeto exigente (de tempo e pés) destes, supõe-se que o leitor que se interessa por um livro assim entende um dos possíveis apelos: a possibilidade de partir numa grande viagem sem depender de mais nada nem ninguém. Um apelo ao escapismo com o qual um leitor de 2020, porventura, é capaz de se identificar de forma mais pungente.

Logo nos primeiros dias, à saída de Sagres, ficam claros os desafios de uma empreitada destas: as queixas dos pés, o peso da mochila, a atenção permanente ao trânsito automóvel. Como seria de esperar pelo ritmo de uma viagem "lenta", as recompensas são um pouco mais espaçadas no tempo e espaço. O Nuno fez carreira no jornalismo e a sua escrita, pouco contemplativa ou introspetiva, reflete essa vocação. Mesmo a dimensão do esforço físico exigido em algumas etapas só é referida ocasionalmente, e por poucas palavras. É igualmente rara a referência a estados de alma, mesmo quando o caminho lhe oferece a ocasional recompensa, habitualmente sob a forma de uma cascata revigorante (no calor do verão) ou de uma vista deslumbrante. Esse registo jornalístico ajuda a manter o foco do livro naquilo que o Nuno mais valoriza ao longo do trajeto: as pessoas com que se cruza e as histórias que têm para contar, sobretudo quando associadas a tradições que ainda tentam manter vivas. Podia ser de outro modo, com uma viagem-livro? De quanto espaço dispõe realmente alguém para resumir num livro tudo o que se pode ver ao longo de uma viagem desta envergadura?

E como é ver Portugal, de uma ponta à outra do território continental, ao longo das quatro estações, pelos olhos de um caminhante solitário, em 2009? Por um lado, um país ligado por estradas, dependente do automóvel, desabitado e envelhecido no interior, marcado pela chaga dos incêndios e descaraterizado pela construção caótica. Por outro, uma paisagem natural rica em contrastes e beleza, das praias às serranias, pontuada pela hospitalidade, boa comida e pelo empenho em conservar e reavivar tradições quase esquecidas.

Algo que também ressalta da forma como o Nuno é recebido em alguns dos sítios por onde passa é uma certa desconfiança em relação àqueles que vêm de fora, ou se apresentam de formas inesperadas, nos lugares mais tocados pela desertificação. O Nuno procura dar mais importância aos muitos exemplos de simpatia e bom acolhimento que recebeu, mas também dá conta como o seu avistamento em algumas aldeias quase desabitadas gerou sobressalto e, por alguns acasos infelizes, conduziu a encontros bruscos com as autoridades.

Desprovido de companhia e de grandes percalços, são muitas vezes os detalhes aparentemente insignificantes que o Nuno vai captando, à beira do caminho ou na voz daqueles com quem se cruza, que ajudam a manter o interesse na paisagem. É também por isso, e pela sua habitual contenção, que é tão surpreendente chegar, a dado ponto do livro, a uma corajosa revelação pessoal do Nuno, que a longa viagem o obriga a confrontar e faz abandonar a estrada durante alguns meses. Essa interrupção, a par de um acidente no Marão (um episódio com o qual qualquer pessoa que já se perdeu na natureza consegue identificar-se), são os momentos mais dramáticos narrados no livro, que mesmo assim não chegam para lhe dar ares de uma viagem de auto-descoberta. O Nuno parece mais partir de um lugar de curiosidade e disponibilidade do que de ânsia reflexiva, e isso reflete-se nas suas crónicas, mais próximas da reportagem do que da auto-contemplação. 

Precisei de quase dois meses para terminar a leitura porque fazia questão de reservar dez a vinte minutos do meu dia para verificar o progresso do Nuno, como se estivesse a acompanhá-lo em tempo real. Abrir este livro, em qualquer página, é abrir uma espécie de portal para uma localidade algures no país. No contexto do teletrabalho e do confinamento, foi bom ter esse escape à mesmice dos dias ao alcance de um livro. Não há forma mais fácil e barata de viajar.

Tudo isto leva-me a pensar na dimensão do desafio subjacente a esta viagem e na sorte que temos de habitar uma terra que é possível palmilhar de lés a lés num espaço de tempo relativamente curto (dois anos, no caso do Nuno). Ficar a conhecer um país ao ritmo de uma caminhada, mesmo um com o tamanho de Portugal, é um feito físico e psicológico notável, e até quem não sente o chamamento para repetir tal façanha é capaz de se sentir inspirado pela perseverança demonstrada pelo Nuno Ferreira. Difícil também não pensar como é que se encara o ano de 2020 com as lembranças de uma viagem destas.

Onde é que encaixa um projeto destes, de caminhar sozinho ao longo de milhares de quilómetros? Não é por acaso que, por onde passou, o Nuno seja confundido ora com um peregrino, ora com um meliante. A modernidade e a desertificação esvaziaram de sentido a viagem a pé, ao ponto de aparecer quase sempre retratada como ato de fé ou de loucura. Este Portugal a pé (e o excelente Açores a pé que se seguiu) não é um nem outro, mas, como qualquer ideia que apaixona a imaginação, oscila perigosamente entre os dois. 

Dezembro

Novembro não foi um mês fácil, por motivos pessoais, e não olho com muito otimismo para dezembro, mas é preciso continuar.

Um motivo de entusiasmo

As notícias que chegam de fora sobre a aprovação iminente de várias vacinas contra o novo coronavírus. Imagino que ainda vai levar algum tempo até a campanha de vacinação começar em força por todo o mundo, mas é isto que tem alimentado a minha esperança em relação ao rumo das coisas em 2021.

Um livro

Comecei a ler O Crime do Padre Amaro e não precisei de avançar muito na história para sentir que vou gostar.

Aprender

Comecei um pequeno curso virtual de espanhol.

Um post na gaveta

Uma pequena resenha sobre o Portugal a pé, outro livro de Nuno Ferreira que me aguçou o desejo de viajar pelo país fora.

Uma fotografia por fazer

As iluminações de Natal na cidade.

Um filme para ver

Da Natureza, de Ole Giæver e Marte Vold.