Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

horizonte artificial

ideias e achados.

Zangados com a chuva

Hoje foi o primeiro dia em vigor da lei que decreta o uso obrigatório da máscara respiratória na rua, e lembrei-me disso ao dar uma pequena volta aqui pelo bairro, ao final da tarde, para desentorpecer as pernas. Já uso máscara social há vários meses, mas até aqui, era quase sempre para aceder ou permanecer no interior de estabelecimentos comerciais. Não me ocorreu, sinceramente, que chegaríamos a este ponto, em que temos uma lei a impor o seu uso desde a porta de casa (pelo menos para quem, como eu, vive na cidade e cruza-se sucessivamente com outras pessoas).

Tenho passado os olhos por alguns textos anti-máscara, "anti-medo", mas pelo que vi hoje na rua, pouco mudou desde há algumas semanas, quando o agravamento da pandemia despertou o debate sobre esta lei. No meu bairro, o uso de máscara na rua já era a regra para muita gente. Ou seja, penso que a maioria das pessoas compreende e aceita que a máscara é uma precaução básica de conservação da saúde pública no contexto de uma pandemia. É desconfortável ao fim de algum tempo de utilização? Sim. É uma chatice ter de voltar atrás quando nos esquecemos dela em casa? Sempre. Atrapalha um bocado a comunicação? Sim (dou por mim a ter de elevar a voz quase sempre). É um lembrete permanente do risco a que estamos expostos? Sim. É para sempre? Não. É melhor do que outras medidas de restrição dos movimentos? Sem dúvida.

Não sei bem o que fazer deste pequeno movimento do "contra", que ignora o óbvio (como a capacidade de um tecido à frente das vias respiratórias para diminuir a quantidade de partículas projetadas ou suspensas no ar à volta), a ciência, as lições históricas de pandemias passadas e os números relativos à capacidade dos nossos hospitais. Imagino que são pessoas que estão fartas de terem alguém a lhes dizer o que é ou não prudente fazer, mas não estamos todos? Penso que a ideia de usar uma máscara durante horas a fio, por exemplo, não agrada a ninguém (a começar pelos nossos profissionais de saúde, que o fazem desde o início da pandemia). O problema é que isso não torna a sua utilização menos segura e razoável.

Quanto tempo teremos de esperar por uma vacina? Ainda terei trabalho nessa altura? Como vou deixar esta "bolha social" em que vivo há sete meses? Quais das minhas amizades vão sobreviver a este distanciamento social? Como é que posso contribuir com alguma coisa de útil e importante para a sociedade a partir de casa? Estas são algumas das preocupações que me têm ocupado nos últimos tempos, com a diferença que não me passa pela cabeça culpar o que ou quem quer que seja pela situação que vivemos e pelas cautelas básicas que praticamente se impõem sozinhas. Sobre isto, ocorre-me uma imagem que encontrei uma vez num livro (para variar, não me recordo qual), de alguém que fica zangado com a chuva, como se isso mudasse alguma coisa — a começar pela sensatez de abrir o chapéu de chuva.

Trump

Pesquisei pelo seu nome aqui no blog e confirmei a minha suspeita: ainda não o tinha mencionado aqui* uma vez que fosse, mesmo depois de ser eleito Presidente dos EUA em 2016. Isto apesar de ser provavelmente uma das figuras mundiais mais referidas nos blogs (e nos destaques que vou fazendo) e nas minhas conversas com amigos sobre política. Não vivo nos EUA, mas sou convocado, constantemente, pelas notícias e pelos seus produtos culturais (Netflix, Youtube, etc), a posicionar-me nos seus debates existenciais (o racismo enraizado, a dificuldade no acesso a cuidados de saúde, o tratamento dos imigrantes, etc). E a verdade é que estou saturado do espetáculo decadente que Trump monta quase diariamente e da exibição despudorada que faz da sua ignorância, racismo e misoginia.

Não o mencionei antes aqui porque quis manter-me fiel a uma das regras que tento cumprir neste blog: escrever apenas sobre aquilo que me inspira a ser uma pessoa melhor. O Twitter chega-me, como escape, para ir registando e sublinhando os estragos que a sua presidência tem causado à democracia dos EUA e, por extensão, ao movimento democrático em todo o mundo.

A atenção dos média norte-americanos nos últimos quatro anos parece ter sido inteiramente absorvida pela sua má conduta como presidente. Até à sua eleição, o jornalismo político praticado em Washington era visto como uma espécie de corpo de intervenção, sempre vigilante e inquisitivo, o mais bem preparado para farejar o mais pequeno escândalo  e levá-lo às últimas consequências. Parecia impossível que Trump, primeiro como candidato e depois como Presidente, sobrevivesse politicamente à intensidade desse escrutínio mediático permanente, considerando que nunca tinha ocupado um cargo público.

O que vimos acontecer desde então é que as limitações dos média podem ser facilmente exploradas contra si. Trump subverteu facilmente a lógica dos média a seu favor sem fazer uso de qualquer especial inteligência (apesar do génio que o próprio não se cansa de propalar) ou outra vantagem comunicacional. Paradoxalmente, a fonte da sua força mediática é a sua grande fraqueza: uma necessidade constante de se ver no centro das atenções. Quanto mais desafia as normas e convenções democráticas, mais tempo os média lhe dedicam, num ciclo do qual ainda ninguém parece ter conseguido escapar nos últimos quatro anos.

Trump não tem realmente interesse em moldar a imagem que a imprensa dá de si (até porque não tem problema em os chamar de "falsos" quando não gosta da cobertura). A sua angústia existencial parece residir na possibilidade da televisão não passar qualquer imagem sua nesse dia, seja boa ou má. Segundo vários relatos, passa grande parte do dia a seguir o que os canais noticiosos dizem sobre si próprio (chega a participar por telefone, várias vezes por dia, em alguns dos seus programas de opinião preferidos). Nas horas vagas do tédio, vira-se para o Twitter, onde procura a gratificação imediata e dupla do insulto. Dupla, porque lhe assegura o conforto de saber que os seus tweets presidenciais valem mais um dia de cobertura mediática.

Fica à vista o seu grande medo: se não for o troll do Twitter e dos média, papel no qual está tão confortável, o que mais poderia fazer ele o dia todo numa casa tão grande como a Casa Branca? Ouvir especialistas? Estudar dossiers? Ponderar decisões complexas e nem sempre favoráveis politicamente? Os seus apoiantes celebram-lhe até os defeitos, pelo que dificilmente alguém acredita que seria capaz disto, a começar, imagino eu, por ele próprio.

A saturação mediática é tal que os sucessivos escândalos de corrupção e interferência judicial tornaram-se o pão nosso de cada dia em Washington. Até a pandemia (que nos EUA já causou mais de 200 mil mortos nos últimos sete meses), Trump conseguiu enquadrar nos termos que são mais favoráveis ao seu ego. A questão da utilização das máscaras ilustra bem isso. O tema levou a opinião pública de todos os países afetados pela pandemia a examinar a sua eficácia e a debater o seu uso, mas estamos em outubro e ainda é motivo de controvérsia nacional nos EUA, muito por conta de Trump, que viu no seu uso uma admissão tácita, e pessoal, de fracasso na contenção do coronavírus. Ele, o homem que não lê livros e passa o dia a ver televisão, conseguiu converter, por força da teimosia e vaidade, um tema de saúde pública numa questão de pura e vácua contrariedade pessoal, em relação à qual não está disposto a fazer a mínima cedência.

É aqui que eu queria chegar, com este pequeno, mas ainda assim longo, resumo do que foram os últimos quatro anos. É esta a raiz da minha aflição com Trump: ser obrigado a ver, quase todos os dias, como o pior entre nós conseguiu dominar e quase atrofiar a discussão pública dos grandes problemas que se colocam à sociedade norte-americana e à opinião pública mundial, do racismo institucional ao aquecimento global. Digo quase, porque os movimentos #MeToo e #BlackLivesMatter mostram que continua a haver quem queira abordar de frente alguns desses problemas.

Todos nós já nos cruzámos, em algum ponto e esfera das nossas vidas, com alguém que não parecia estar à altura do cargo ou da função que exercia, seja por não querer ou não saber como merecer o respeito e a confiança daqueles à sua volta. Aos meus olhos, Trump parece-me uma espécie de caricatura levada ao extremo dessa pessoa e dos seus piores defeitos: da insegurança que cultiva o excesso de amor próprio à preguiça intelectual e moral que se esconde na arrogância e indiferença pelos outros.

Estamos a treze dias da América decidir se quer mais quatro anos disto. Acredito que existe uma maioria de norte-americanos que já decidiu que não quer (aliás, tal como nas eleições de 2016, em que Trump perdeu o voto popular). Ainda tenho bem presente na memória a desilusão coletiva que muitos sentimos na manhã daquele 4 de novembro. É por isso que não me permito muito mais do um sóbrio sentimento de esperança: pode ser que esta seja a primeira e última vez que sinta necessidade de falar aqui de Trump.

*Tanto evitei escrever sobre o sujeito que só hoje me apercebi de que o seu nome não consta da lista de palavras reconhecidas pelo corretor ortográfico do Blogs, que o assinala como um erro.

Outubro

Um motivo de entusiasmo

Férias! E a possibilidade de viajar e sair um pouco do mesmo sítio.

Um livro

Continuo a ler o "Portugal a pé", de Nuno Ferreira.

Uma fotografia por fazer

Será que é este mês que consigo tirar uma fotografia à Estação Espacial Internacional?

Um filme

Quero rever o "The net", um thriller de 1995 com Sandra Bullock, que faz um retrato acidentalmente engraçado do potencial e dos perigos que espreitavam com a banalização do computador pessoal e da internet.

Um sítio

Quero muito ficar a conhecer a nova biblioteca de Alcântara, que é inaugurada na próxima semana e parece ser, com base naquilo que já fui vendo aqui e acolá, um edifício bem pensado para servir a comunidade.