A história de um cravo
A ideia ocorreu-me há uns meses, quando pensava em mais emoticons que pudéssemos disponibilizar no editor de texto dos blogs. Não temos muito espaço para mais sapinhos (é como lhes chamamos na plataforma), pelo que temos tentado encontrar símbolos e gestos que sejam especialmente relevantes para uma comunidade de gente que gosta de escrever e ler.
No último ano, por exemplo, lançámos a pilha de livros , o sinal de visto (quem gosta de listas, vai perceber) , o planeta Terra e as mãos juntas em sinal de prece ou, como eu o vejo, de gratidão
Não sei o que desceu em mim, para arriscar a produção de emoticons, mas agarrei a oportunidade quando a vi, de deixar estas pequenas marcas em milhares de páginas na internet. Quando vejo alguém usar o , por exemplo, é impossível não pensar que há ali um bocadinho de mim, da minha (assumidamente pouca) arte e crença no valor da generosidade e da empatia. Um emoticon é uma migalha, claro, na escala de coisas que podemos fazer na vida, mas o que dizer? Apaixonei-me pela noção de dar a um número incontável de gente um atalho para reforçar um sentimento positivo.
Podem imaginar como sorri por dentro quando, ainda em fevereiro, me lembrei do cravo. Eis um emoticon (ainda) em falta nos teclados universais que fazia todo o sentido incluir num editor de texto português. Para além de ser uma flor lindíssima, é um símbolo nascido em Portugal da Liberdade obtida pela resistência pacífica.
Contei até dez, para acalmar, e lá fui eu, de passo apressado (que é o que faço quando tento esconder o entusiasmo com uma ideia) até à secretária do Sérgio, sondá-lo sobre a possibilidade de lançarmos um só sapinho no dia 25 de abril (ainda não antecipara que calharia a um sábado, daí ter sido lançado uns dias antes). Já calculava que seria possível, mas o Sérgio é uma das pessoas mais sérias e competentes que eu conheço - não é alguém cujo tempo eu queira desperdiçar com simbolismos pouco práticos, por mais bem intencionados que pareçam. Para ele achar que é uma boa ideia, então é porque estamos mesmo no bom caminho (de resto, ele também tem a sua quota-parte nisto: a ideia de traduzir o cravo no código [(25)] é sua).
Nesse dia, estava muito longe de pensar que este 25 de abril não poderia descer a avenida e que toneladas de cravos estariam destinadas ao lixo logo após a colheita. Houve cravos verdadeiros para quem quis, e sei que o nosso emoticon não é o mais perfeitinho de sempre, ou a representação gráfica mais original e artística do cravo de abril, mas se havia um 25 de abril em que fazia todo o sentido ter este sapinho, foi hoje - passado em casa, a ouvir os ecos de Grândola, Vila Morena a chegarem de todas as direções em volta, como se estivesse no ar a chegada de um tempo novo. E acredito que esteja.
Uma ideia feliz é isto, o mundo dá uma cambalhota, e damos por nós a distribuir cravos. Aconteceu primeiro à Celeste Caeiro e, agora, a uma escala virtual muito mais pequenina, a nós.