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horizonte artificial

ideias e achados.

O meu take sobre o fenómeno literário do ano

Mesmo antes de ser publicado, A Rapariga no Comboio, de Paula Hawkins (editado em Portugal pela TopSeller), já tinha batido recordes no Goodreads e, pelo que tenho visto em primeira mão no SAPO, é um dos livros mais comentados nos blogs. A minha curiosidade, portanto, já estava em alerta quando a Vanita publicou a sua opinião sobre o livro e convenceu-me a dar-lhe uma oportunidade. Mais até do que a minha curiosidade, era o meu ceticismo em relação aos chamados fenómenos literários que exigia uma confirmação.


E vou já começar com a admissão: fui apanhado de surpresa pelo fim. Muita boa gente, com certeza mais atenta do que eu, garante ter topado tudo a páginas de distância do fim, mas o elemento de surpresa é algo que não posso retirar a Hawkins, que soube baralhar bem as cartas e semear devidamente as suspeitas.

Significa isto que se trata de um bom thriller? A resposta é sim. Quem é fã do género e está à procura de um sudoku literário, provavelmente não se vai sentir defraudado.

 

Para um livro que está nas mãos e bocas do mundo, não deixa de surpreender as profundidades a que Hawkins lança a sua protagonista. O retrato que faz do sentimento de fracasso e desistência provocados pelo alcoolismo é vívido e convincente. Nota-se o esforço colocado no desenvolvimento psicológico da protagonista, ainda que o livro ameace esgotar-se no tema do alcoolismo, ao ponto deste servir, demasiadas vezes, para encobrir (ou criar?) alguns buracos ao nível da intriga.

No final, o leitor de policiais tem direito a confirmar ou não a sua tese. Outros tipos de leitores, todavia, terão menos por ansiar, ao nível da escrita e dos temas retratados. Se forem como eu, o mais provável é estarem a tentar não sucumbir à pressão de ler o livro que todos estão a ler. Boa sorte com isso!

Trilho dos Pescadores: um caminho entre o mar e a terra

 O que fazer quando temos uma semana de férias para gozar, ninguém disponível com quem passá-las e pouco dinheiro para gastar? A resposta: enfiar a tenda dentro de uma mochila e partir rumo à costa alentejana para caminhar 60 quilómetros em três dias.

 

Fiquei a saber do Trilho dos Pescadores pela reportagem da Isa no seu blog e entrou imediatamente na minha lista de coisas a fazer um dia. As circunstâncias alinharam-se finalmente há duas semanas, pelas razões acima, e posso já dizer que partir à descoberta deste pedaço da costa alentejana foi uma das melhores experiências que tive até hoje de contacto com a natureza. Percorrer aquelas paisagens valeu todas as dores que inflingi aos meus pés nos dias seguintes.

Decisão tomada, a preparação foi toda feita em um dia. Graças aos posts da Isa, já tinha uma noção geral do trilho e do grau de esforço envolvido, pelo que só precisei de estudar um pouco o site oficial do projeto e planear as paragens que faria em parques de campismo ao longo das quatro etapas recomendadas (Porto Covo, Vila Nova de Milfontes, Almograve, Zambujeira do Mar e Odeceixe).

Descobri que levar o indispensável e um pouco menos do que isso é uma das regras mais importantes para quem se prepara para caminhar com uma tenda às costas. Comprei uma mochila para longas caminhadas (com 70 litros de capacidade), na qual transportei confortavelmente 3 a 5 quilos de tralha para acampar e mais algumas tshirts. A vantagem de acampar (em parques, visto que o campismo selvagem é proibido em toda a extensão do percurso) é que me permitia viajar sem ter de fazer reservas. Se tivesse precisado, teria flexibilidade para descansar mais tempo entre cada etapa.

 

No primeiro dia, fiz como a Isa: aguentei as 3 desnecessariamente longas horas de autocarro até Porto Covo e comecei imeditamente a seguir os sinais (deixados em postes, árvores, paredes, pedras e pequenos marcadores de madeira, etc). Menos de 5 minutos depois de deixar a vila, estava entregue a mim mesmo, sem ninguém à volta. O trilho está completamente integrado no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Rota Vicentina, pelo que é muito pouco frequentado e quase exclusivamente por outros viajantes (além de, como o nome sugere, alguns pescadores). Conjugada com a autonomia proporcionada pelo trilho (só precisei de recorrer ao GPS do telemóvel uma ou duas vezes para tirar dúvidas), a sensação é de liberdade quase absoluta quando damos por nós sozinhos no topo de uma falésia, a dominar um areal deserto e a perder de vista.

Outro aspeto formidável deste trilho tem de ser o contraste que oferece a cada lado do cérebro. À esquerda (ou direita, para quem ruma a Norte), a terra, feita de dunas, bosques e toda a espécie de vegetação. À direita, o mar, com as suas falésias, rochedos e praias desertas. Estamos a trilhar, muitas vezes sem margem de erro (tal é a proximidade do precipício), a linha que desenha o continente. É uma espécie de exercício de funambulismo paisagístico.

 

Se ficarem curiosos para saber e ver mais, saltem para o relato completo da Isa, que fez o trilho na melhor altura do ano (primavera) e publicou provavelmente a melhor reportagem fotográfica das paisagens ao longo do percurso (não é por acaso que, nos resultados do Google, os seus posts aparecem logo depois do site oficial).

Deixo só mais algumas notas rápidas sobre a minha experiência:

- essencial: ténis ou botas de caminhada, de preferência pouco porosos (por causa da areia).

- útil mas não essencial: uma app que permita carregar e consultar o trilho contra a vossa localização em tempo real. O trilho é muito direto e intuitivo (segue quase sempre junto à costa), mas faz alguns desvios para evitar áreas de elevada erosão, pelo que pode ajudar a tirar dúvidas.

- etapa preferida: tive de regressar mais cedo a casa (por motivos alheios à viagem), pelo que ainda me falta fazer a etapa entre a Zambujeira e Odeceixe, mas do que fiz, o que mais me deslumbrou foram as praias desertas (durante a semana e em setembro, é certo) a sul de Porto Covo.

- o grau de dificuldade para principiantes como eu em trilhos: houve 2 ou 3 pontos do trilho (exemplo) que me surpreenderam por obrigarem a subir ou descer com pontos de apoio, mas a verdadeira dificuldade reside mesmo nas longas distâncias feitas em areia. Calçado adequado e confortável é o aspeto mais crítico desta viagem (assim como toda a espécie de cremes que possam levar para fazer as pazes com os vossos pés ao final do dia).

- um atalho (ou batotice): na segunda etapa, aceitei a sugestão de encurtamento e apanhei o barco entre Vila Nova de Milfontes e a praia das Furnas, para poupar o esforço de fazer 1 a 2 quilómetros em cidade (o barco custa 2€ e é muito rápido).