Deixar apenas uma frase por aqui sempre me pareceu um enorme desperdício de "papel". Todo este espaço em branco no editor parece exigir um esforço maior para desenvolver uma ideia ou assunto. Definitivamente, não facilita a tarefa de "vender" a ideia de ter um blog. Ainda assim, fui afeiçoando-me à responsabilidade de ter de aprofundar qualquer tema que aqui traga. No mínimo, escrever num blog é um excelente filtro para opiniões parvas (também as tenho). A escrita consegue ser um exigente examinador de conhecimentos (e sentimentos).
Paradoxalmente, a brevidade também é um dos motivos pelo qual gostava tanto do Twitter, um sítio que aplica intencionalmente limites à escrita: "só queremos saber o que tens para dizer em 280 caracteres", parece dar a entender. Pode ser um convite à criatividade, sim, mas também à preguiça — seja como for, ali não há lugar à síndrome da folha em branco.
No meu caso, o Twitter tornou-se aos poucos uma espécie de cábula do blog (consultei agora a definição de cábula na Priberam e achei uma delas certeira: "artimanha para se escapar de uma obrigação."), onde gostava de partilhar uma fotografia ou apontamento rápido, sem precisar de lhe dedicar tanto tempo. Era ali que metia coisas absolutamente corriqueiras que pareciam ao mesmo tempo preciosas e demasiado insignificantes para justificar um texto a acompanhá-las.
Porque estou a escrever sobre o Twitter? Bom, por onde começar: pelos despedimentos por tweet de funcionários críticos da empresa, com o incitamento dos trolls? Pelo levantamento de restrições a contas associadas à disseminação de desinformação ou, pior, de discurso de ódio? A suspensão caprichosa de várias contas de jornalistas? Em suma, o Twitter entrou numa espiral auto-destrutiva desde que trocou de mãos e passou a pertencer quase exclusivamente a uma única pessoa. O triste espetáculo já se arrasta há semanas e parece ganhar novos atos dia sim dia não. Como resultado, algumas das pessoas que sigo por lá e que mais admiro já anunciaram a sua saída da plataforma. Quanto a mim? Vou arrastando os pés e mastigando o dilema ético (não é nada menos que isso para mim) sob a forma de tweets e textos de opinião. Ficar, e contribuir para as métricas de um serviço a apodrecer rapidamente, ou sair e perder ligações a pessoas e contas que sigo há mais de uma década e que, se alguma coisa, representam o melhor do Twitter?
Partilhei ali, ao longo dos anos, muitas coisas que refletem um pouco da minha visão do mundo e da pessoa que gostaria de ser. Se me decidir a "piar" noutro ramo, não será sem tristeza pelo que deixaria para trás. De resto, é uma plataforma usada por milhões de pessoas que se tornou um meio importante de comunicação para todo o tipo de instituições e entidades públicas. Sair, ou dar um tempo, significa perder, além de uma rotina pessoal, essa ligação mais imediata a temas, personalidades e comunidades que me interessam.
Há uns dias usei a expressão "fim da linha", a propósito dos mais recentes desaires da plataforma, e comecei a pensar seriamente no que ainda faço e procuro por lá. No pé em que as coisas estão, parece-me incomportável continuar a utilizar como habitualmente um serviço de publicação onde parece valer tudo menos criticar o seu proprietário, uma das figuras mais mediáticas (pela sua riqueza e participações em projetos literalmente fora deste mundo) do meio tecnológico.
Relacionado com tudo isto, questiono-me sobre o que tem o Twitter que torna tão difícil deixá-lo: a rede social que tecemos (feita das pessoas que seguimos) ou a plataforma (com o seu alcance imediato e potencialmente mundial)? Inclino-me para a segunda opção. Mesmo sabendo que o mundo não está todo lá (nem de longe), trata-se da rede predileta daqueles que definem ou participam na agenda do dia, ou seja, dos média aos decisores políticos. Pode ser uma visão muito subjetiva e distorcida da coisa, vinda de alguém que usa o serviço diariamente desde 2007, mas é inegável o alcance que uma pedrinha pode ter neste charco.
E esse era, sem dúvida, parte do apelo, descobrir quantas ondas podia gerar uma pedrinha atirada. Na minha experiência do serviço, podiam ser muitas. Aconteceu poucas vezes, mas achei sempre desconcertante e fascinante receber subitamente dezenas (o meu máximo) de retweets ou de favoritos num tweet meu. Nesses raros dias, mais parecia que tinha atirado uma pedrada. A reticência em partir também se deve ao meu ceticismo em relação às possibilidades que outras plataformas têm de replicar ou igualar essa "viralidade".
O reverso desse enorme alcance, claro, é o vazio: a maioria dos tweets publicados por utilizadores anónimos como eu não gera qualquer tipo de reação — é difícil, aliás, saber se são realmente vistos, dada a opacidade das estatísticas do serviço e a competição cerrada com os conteúdos promovidos pelo algoritmo. Tão baixo nível de interação seria "fatal" para um serviço como o Instagram, por exemplo, mais centrado no nosso círculo de amigos e conhecidos. Na aplicação do pássaro azul, todavia, parece estar implícita outra ideia: a validação daquilo que publicamos deve partir da identificação com a observação que é feita e/ou da aprovação da originalidade do trocadilho (linguístico ou cultural) feito, seja por texto ou imagem. Esse sentimento de validação será tanto maior quanto mais for alimentado por reações de desconhecidos, que nada nos devem. Só isso torna tolerável a quantidade de tweets que passam sem fazer ondas. Não é ali que tudo acontece, é certo, mas é onde quase tudo acaba desmontado, comentado ou parodiado. Por outras palavras, o Twitter é capaz de ser o quebra-cabeças mais sofisticado e viciante criado até hoje.
Continuo com mais dúvidas do que respostas, mas acho espantoso estar a pensar em "voz alta", num blog ainda por cima, sobre a crise que o Twitter atravessa. Se há algo que aprendi em todos estes anos a trabalhar na internet é que pouco ou nada por aqui resiste à mudança (embora existam exceções incríveis, como o catálogo das BLX, um site que uso semanalmente e que parece não ser atualizado há mais de uma década). Não contava, ainda assim, que um serviço com tamanhos níveis de adoção e popularidade pudesse ser tão rapidamente corrompido ao ponto de isso colocar em causa a sua continuidade.
Posto tudo isto: ficar ou sair? Ando há semanas a pesar os prós e contras, sem chegar a qualquer conclusão. Sei que não quero contribuir com o meu tempo e atenção para uma plataforma que serve os fins políticos de alguém ativamente interessado na desinformação e no facciosismo. Só me falta passar das palavras aos atos.