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horizonte artificial

ideias e achados.

O horizonte está diferente

Captura de ecrã do novo template do blog

Não consigo encontrar agora a data da última vez que mudei o template ao horizonte, mas já deve ter sido há uns aninhos. Apeteceu-me mudar e dar mais destaque a algumas coisas já deixadas por aqui e por aí, através da coluna lateral. Numa altura em que ando de volta de pequenos melhoramentos por casa, é bom ter uma divisão que posso renovar com facilidade (para começar, a tinta sai muito mais barata) e abrir aos outros. Já não pegava em CSS há algum tempo e soube bem experimentar novos tipos de letra, cores e layouts. Este gosto por formatar publicações em linha é algo que nunca me vai passar.

A campainha

2022 voltou a não ser um ano fácil em termos de vizinhança. Tivemos obras (e problemas) no apartamento de cima e, mais uma vez, precisámos de nos adaptar às rotinas e desmazelos de quem chega agora. No meio desse processo, percebi que há quem não tenha qualquer curiosidade em relação aos seus vizinhos, como se vivêssemos todos perfeitamente isolados uns dos outros, apesar de partilharmos efetivamente o mesmo espaço, apenas separado por algumas paredes pouco insonorizadas. Consigo lembrar-me de N situações em que podemos vir a precisar de bater à porta de um vizinho para pedir ajuda com alguma questão. Esperar por essa altura para ficar a conhecer a pessoa que vive ao nosso lado vai causar-me sempre alguma estranheza.

Há uns tempos, apanhei um vislumbre do apartamento por cima já perto da conclusão da obra, e foi inevitável sentir aquela pontinha de ciúmes pelo estado impecável dos rodapés e da pintura. Somos cuidadosos cá por casa, mas mesmo assim, as coisas vão mostrando o uso e dando sinais da passagem do tempo. Além disso, ter tido um pai com espírito de conserta-tudo também pode ter contribuído para alguns buracos a mais aqui e acolá... Tenho uma pequena lista de coisas cá por casa que gostava de consertar ou refazer, mas sempre que consigo (ao fim de muito tempo e esforço) riscar uma, aparece logo outra no seu lugar. A parte mais frustrante? Chegar ao termo exato daquela peça específica de um móvel ou aspeto da casa que até aí nunca tinha tido a necessidade de tratar pelo nome. Já perdi horas da minha vida atrás de coisas que podia ter resolvido em minutos, se tivesse googlado logo o termo de pesquisa certo.

Hoje precisei de bater à porta, pela segunda vez este mês, dos meus novos vizinhos, e isso proporcionou-me uma pequena revelação. A nossa casa já não vai realmente para nova, e fica a perder em muitos aspetos para outra completamente renovada — exceto num detalhe. Apercebi-me dele ao fazer soar a campainha vizinha, que pode ser descrita como um gorgolejo elétrico. É tão má que não me surpreendia saber que todo o circuito, do botão ao dispositivo sonoro, tinha sido recuperado de uma antiga máquina hospitalar para aplicação de choques elétricos. Posto de outro modo, é fácil imaginar estabelecimentos prisionais com toques de recolher mais graciosos que aquilo. Também diz muito da atenção e esmero de quem dirigiu a demorada, e torturante, remodelação.

Por contraste, a campainha da nossa porta parece anunciar a chegada de um membro de alguma família real europeia. Não me importava de gravá-la e deixar aqui o seu registo sonoro, mas basta dizer que é pausada, cerimonial e não totalmente inesperada para uma casa portuguesa que passou pelos anos 80. Kitsch ou não, é mais do que um jato áspero de eletricidade desencadeado por um dedo impaciente colado no botão (haverá maior afronta do que uma campainha que dá permissão a quem está do lado de fora para a acionar de forma ininterrupta?).

Identificar essa pequena, mas não insignificante, diferença para os nossos vizinhos, voltou a dar-me algum (inesperado) alento. Se a campainha da porta é a voz de uma casa, a nossa, apesar de todas as imperfeições, continua gentil como sempre. (Obrigado, Pai.)

Uma fotografia de 2022

03-2022-DSC_5584.jpg

A escolha provavelmente tem de ser esta fotografia, tirada em março, de uma águia-d'asa-redonda a sobrevoar Monsanto contra um céu acastanhado pela poeira levantada do Saara. Passei os olhos pela fotografia várias vezes ao longo do ano e reconheci-a sempre imediatamente.

Como é habitual com estas aves, não se trata de uma fotografia muito pensada: já estava a chegar ao fim da minha caminhada quando me apercebi da sua presença lá no cimo. As árvores pareciam inicialmente estar a mais, mas acabaram por fazer toda a diferença. Aqueles ramos no centro da imagem lembram-me uma mão a fazer o gesto de "perfeito" com os dedos. Se não soubesse melhor, diria que o enquadramento final foi planeado, mas só pela águia.

O Twitter é detestável

E não consigo largá-lo.

Deixar apenas uma frase por aqui sempre me pareceu um enorme desperdício de "papel". Todo este espaço em branco no editor parece exigir um esforço maior para desenvolver uma ideia ou assunto. Definitivamente, não facilita a tarefa de "vender" a ideia de ter um blog. Ainda assim, fui afeiçoando-me à responsabilidade de ter de aprofundar qualquer tema que aqui traga. No mínimo, escrever num blog é um excelente filtro para opiniões parvas (também as tenho). A escrita consegue ser um exigente examinador de conhecimentos (e sentimentos).

Paradoxalmente, a brevidade também é um dos motivos pelo qual gostava tanto do Twitter, um sítio que aplica intencionalmente limites à escrita: "só queremos saber o que tens para dizer em 280 caracteres", parece dar a entender. Pode ser um convite à criatividade, sim, mas também à preguiça — seja como for, ali não há lugar à síndrome da folha em branco.

No meu caso, o Twitter tornou-se aos poucos uma espécie de cábula do blog (consultei agora a definição de cábula na Priberam e achei uma delas certeira: "artimanha para se escapar de uma obrigação."), onde gostava de partilhar uma fotografia ou apontamento rápido, sem precisar de lhe dedicar tanto tempo. Era ali que metia coisas absolutamente corriqueiras que pareciam ao mesmo tempo preciosas e demasiado insignificantes para justificar um texto a acompanhá-las.

Porque estou a escrever sobre o Twitter? Bom, por onde começar: pelos despedimentos por tweet de funcionários críticos da empresa, com o incitamento dos trolls? Pelo levantamento de restrições a contas associadas à disseminação de desinformação ou, pior, de discurso de ódio? A suspensão caprichosa de várias contas de jornalistas? Em suma, o Twitter entrou numa espiral auto-destrutiva desde que trocou de mãos e passou a pertencer quase exclusivamente a uma única pessoa. O triste espetáculo já se arrasta há semanas e parece ganhar novos atos dia sim dia não. Como resultado, algumas das pessoas que sigo por lá e que mais admiro já anunciaram a sua saída da plataforma. Quanto a mim? Vou arrastando os pés e mastigando o dilema ético (não é nada menos que isso para mim) sob a forma de tweets e textos de opinião. Ficar, e contribuir para as métricas de um serviço a apodrecer rapidamente, ou sair e perder ligações a pessoas e contas que sigo há mais de uma década e que, se alguma coisa, representam o melhor do Twitter?

Partilhei ali, ao longo dos anos, muitas coisas que refletem um pouco da minha visão do mundo e da pessoa que gostaria de ser. Se me decidir a "piar" noutro ramo, não será sem tristeza pelo que deixaria para trás. De resto, é uma plataforma usada por milhões de pessoas que se tornou um meio importante de comunicação para todo o tipo de instituições e entidades públicas. Sair, ou dar um tempo, significa perder, além de uma rotina pessoal, essa ligação mais imediata a temas, personalidades e comunidades que me interessam.

Há uns dias usei a expressão "fim da linha", a propósito dos mais recentes desaires da plataforma, e comecei a pensar seriamente no que ainda faço e procuro por lá. No pé em que as coisas estão, parece-me incomportável continuar a utilizar como habitualmente um serviço de publicação onde parece valer tudo menos criticar o seu proprietário, uma das figuras mais mediáticas (pela sua riqueza e participações em projetos literalmente fora deste mundo) do meio tecnológico.

Relacionado com tudo isto, questiono-me sobre o que tem o Twitter que torna tão difícil deixá-lo: a rede social que tecemos (feita das pessoas que seguimos) ou a plataforma (com o seu alcance imediato e potencialmente mundial)? Inclino-me para a segunda opção. Mesmo sabendo que o mundo não está todo lá (nem de longe), trata-se da rede predileta daqueles que definem ou participam na agenda do dia, ou seja, dos média aos decisores políticos. Pode ser uma visão muito subjetiva e distorcida da coisa, vinda de alguém que usa o serviço diariamente desde 2007, mas é inegável o alcance que uma pedrinha pode ter neste charco.

E esse era, sem dúvida, parte do apelo, descobrir quantas ondas podia gerar uma pedrinha atirada. Na minha experiência do serviço, podiam ser muitas. Aconteceu poucas vezes, mas achei sempre desconcertante e fascinante receber subitamente dezenas (o meu máximo) de retweets ou de favoritos num tweet meu. Nesses raros dias, mais parecia que tinha atirado uma pedrada. A reticência em partir também se deve ao meu ceticismo em relação às possibilidades que outras plataformas têm de replicar ou igualar essa "viralidade".

O reverso desse enorme alcance, claro, é o vazio: a maioria dos tweets publicados por utilizadores anónimos como eu não gera qualquer tipo de reação — é difícil, aliás, saber se são realmente vistos, dada a opacidade das estatísticas do serviço e a competição cerrada com os conteúdos promovidos pelo algoritmo. Tão baixo nível de interação seria "fatal" para um serviço como o Instagram, por exemplo, mais centrado no nosso círculo de amigos e conhecidos. Na aplicação do pássaro azul, todavia, parece estar implícita outra ideia: a validação daquilo que publicamos deve partir da identificação com a observação que é feita e/ou da aprovação da originalidade do trocadilho (linguístico ou cultural) feito, seja por texto ou imagem. Esse sentimento de validação será tanto maior quanto mais for alimentado por reações de desconhecidos, que nada nos devem. Só isso torna tolerável a quantidade de tweets que passam sem fazer ondas. Não é ali que tudo acontece, é certo, mas é onde quase tudo acaba desmontado, comentado ou parodiado. Por outras palavras, o Twitter é capaz de ser o quebra-cabeças mais sofisticado e viciante criado até hoje.

Continuo com mais dúvidas do que respostas, mas acho espantoso estar a pensar em "voz alta", num blog ainda por cima, sobre a crise que o Twitter atravessa. Se há algo que aprendi em todos estes anos a trabalhar na internet é que pouco ou nada por aqui resiste à mudança (embora existam exceções incríveis, como o catálogo das BLX, um site que uso semanalmente e que parece não ser atualizado há mais de uma década). Não contava, ainda assim, que um serviço com tamanhos níveis de adoção e popularidade pudesse ser tão rapidamente corrompido ao ponto de isso colocar em causa a sua continuidade.

Posto tudo isto: ficar ou sair? Ando há semanas a pesar os prós e contras, sem chegar a qualquer conclusão. Sei que não quero contribuir com o meu tempo e atenção para uma plataforma que serve os fins políticos de alguém ativamente interessado na desinformação e no facciosismo. Só me falta passar das palavras aos atos.

Linhas da vida

Esta tarde, perdi a carteira na rua. A carteira ou o porta-cartões? A senhora da Carris, no outro lado da linha, tinha razão: nestas situações, é importante ser específico. Esta tarde, perdi o porta-cartões na rua. Só me apercebi quando cheguei a casa e, como é meu hábito, fui esvaziar os bolsos. Como é que definimos a sensação de perder algo tão essencial para o nosso quotidiano? Aqui em casa, falei em aflição, mas por escrito a palavra soa excessiva para a situação. Urgência? Um pouco melhor. É importante sermos específicos, já sabem. Tinha de voltar atrás, refazer os meus passos e esquadrinhar as pedras da calçada. Recuei até ao último ponto do meu trajeto desde o autocarro, mas sem sorte. Começava a fazer mentalmente as pazes com o azar ("são só cartões", "não levava sequer dinheiro", "aquela fotografia do passe nem me favorece"), quando o telefone toca. Era a minha irmã, sem preâmbulos, a indicar-me que a carteira seguia na viatura 2258 (algo assim) e que só tinha de aguardar a sua volta na paragem da direção contrária para a reaver. Por um instante demasiado fugaz, senti-me dentro de um daqueles filmes de Hollywood em que uma voz sabe-tudo irrompe do nada. O pior de vermos muitos filmes de Hollywood é que rapidamente ficamos versados em todos os enredos possíveis. Neste caso, percebi que devo ter tido, algures no tempo, a sensata precaução de deixar uma pequena folhinha com contactos de emergência (um pedaço de papel mais pequeno que um post-it, praticamente a desintegrar-se, esmagado centenas de vezes contra o forro) entre os meus cartões. Esperei pelo autocarro e, como um pequeno milagre da vida urbana, lá estava a minha carteira, avistada por alguém atento e entregue a um motorista zeloso (a folhinha não era mesmo nada fácil de encontrar). O alívio foi incrível (passo muitas vezes pela fila para a Loja do Cidadão), mas o que mais me fascinou foi mesmo a expressão que um amigo usou ao ouvir-me narrar a pequena sorte. Ali estava eu, meio perdido na rua, e subitamente alguém puxou uma das minhas linhas da vida para chegar a mim. Delicio-me sempre com histórias à volta de níveis de separação (de como estamos todos ligados uns aos outros, nem que seja por intermédio de uma média estatística de algumas pessoas) e hoje achei curioso dar por mim no centro de uma. A carteira perdida foi uma espécie de batota, mas vocês percebem. Aliás, porta-cartões.

Abril, em Lisboa

Uma mancha vermelha de flores de papoila no meio de uma colina verdejante, contra o céu azul de abril, em Lisboa.

Esta pequena colina enfeitada por papoilas foi o meu ponto alto de abril. Ia a passar não muito longe dali, quando reparei em algumas papoilas pelo canto do olho e decidi espreitar mais de perto. Seguindo um pequeno carreiro, que passa algumas das árvores que tapam o cenário a partir da rua, a vista abre-se para esta colina, um pedaço de natureza que resiste no meio da urbe. A cidade acabara de abrir mão de um dos seus segredos.

Onde é que este blog anda?

Resposta direta: pelo SAPO Viagens, onde estou a dar uma mãozinha e a minha experiência até agora pode ser resumida num texto, aqui.

Adorei a viagem, amei escrever o texto. O meu próprio interesse por comboios, o deslumbramento com as paisagens do Tejo (o rio da minha aldeia, para citar Pessoa) e a descontração da tarefa fizeram com que este praticamente se escrevesse a si próprio. Não tirei notas ao longo da viagem, por isso, na hora de escrever, limitei-me a "bater umas bolas" com a memória e as ideias lá retidas.

Já tinha qualquer coisa escrita, quando voltei a escutar, do nada, os comentários soltos dos restantes passageiros à minha volta nesse dia. A exclamação sobre o Intercidades, por exemplo, fez-me levar o texto numa direção nova até aí e serviu de base para a ideia central que tentei passar: a experiência de viajar neste comboio histórico é completamente diferente daquela que um comboio normal na mesma linha pode proporcionar.

O relato da viagem estava praticamente terminado, só faltando um título para fechar o artigo, quando me chegou, finalmente, o eco da palavra "descapotável", pronunciada ainda a bordo do comboio por alguém nas minhas imediações. Não trazia nenhum contexto, nem autoria (consigo recordar-me da voz de um homem, mas nada mais). Era apenas uma palavra a aterrar-me aos pés, com a imagem de que precisava para completar a ilustração da diferença que representa, poder abrir uma janela e espreitar para fora da carruagem, viajar de cabelo ao vento e sorriso na cara.

Não é um texto fabuloso nem nada parecido, mas sei que seria metade do texto que acabou publicado, se não me tivesse recordado, no momento certo, dessas palavras à minha volta. Que brisa as soprou na minha direção? Na dúvida, vou passar a fazer como no BeiraTejo (o nome que também prefiro), e deixar sempre uma janela aberta.

Um sinal de paz na pauta da cidade

Ontem, vi uma reportagem sobre o fluxo de refugiados ucranianos a chegar à estação de comboios de Badajoz, ponto a partir do qual algumas dezenas continuam a sua viagem até Portugal num comboio da Linha do Leste da CP. Estive ali em meados de fevereiro, quando Badajoz parecia ser o sítio no mundo mais afastado de uma guerra (bom, e de tudo o resto, dada a pacatez da região). Apesar de se tratar de uma estação moderna (e servida, no lado espanhol, por comboios modernos), pareceu-me mais pequena e menos movimentada que algumas das estações suburbanas de Lisboa. Hoje, a crise humanitária posta em marcha pela guerra (que já deslocou milhões de ucranianos), já está à vista ali, que é praticamente, dada a proximidade da fronteira portuguesa, um aqui.

Os sinais da guerra estão por todo o lado, portanto, mas os da paz também. O mais impressionante deles, até agora, surpreendeu-me o olhar há poucos dias, e também envolve a ferrovia. Na realidade, é muito difícil não dar por ele: trata-se de um enorme símbolo da paz, pintado em azul escuro a toda a largura do caminho-de-ferro da Linha de Sintra.

Desconheço quem pintou o símbolo clandestino, mas quem quer que tenha sido, conhece bem a zona onde o fez (escolheu pintá-lo onde é possível vê-lo de cima, a partir de uma ponte pedonal que atravessa as linhas ferroviárias) e não pensou pequeno. A dimensão do grafíti é tal que, muito provavelmente, vai ser possível avistá-lo do espaço (quando as imagens de satélite do Google Maps forem, eventualmente, atualizadas).

A ousadia e o sentido de oportunidade do símbolo (apareceu ali algures entre 6 e 8 de março), na sua localização e dimensão, impressionaram-me. Não sabíamos, mas precisávamos de um símbolo destes: anónimo, indelével, feito à escala da cidade. Universal no seu significado.

Ucrânia

É como se estivéssemos a assistir a uma agressão gratuita na rua, e nenhum de nós ousasse mexer um músculo em defesa da vítima, com medo de sermos agredidos a seguir. É a analogia mais próxima que  encontro para descrever o que está a acontecer no mundo, e o sentimento de impotência que surge perante a insanidade a desenrolar-se à nossa frente.

Não esperava voltar a sentir esta forma de angústia em relação ao estado do mundo tão cedo depois destes últimos dois anos. A diferença desta vez, claro, é que existe alguém que, com uma palavra, pode parar tudo o que está a acontecer. E isso muda a própria natureza de desesperança que sentimos. Tenho dado por mim repetidas vezes a abanar inconscientemente a cabeça ao escutar as notícias mais recentes sobre a devastação a ser infligida na Ucrânia. É difícil de acreditar que isto está a acontecer no nosso tempo, mas sobretudo que tudo isto é consequência de uma decisão: não se trata de um desastre natural, é uma catástrofe por ação humana.

Não conseguimos, para já, impedir a insanidade em curso, mas parece haver uma quase total censura e rejeição desta guerra. As cores da bandeira ucraniana aparecem um pouco por todo o lado, transformadas em apelo à paz. Toda e qualquer expressão de solidariedade que o meu olhar surpreende (uma bandeira ucraniana à janela de uma casa isolada, um pin numa mochila a viajar ao meu lado, uma escola a formar a palavra PAZ com os seus alunos) comove-me e dá-me algum alento, como espetador passivo deste atroz e brutal espetáculo, numa altura em que nos preparam, com a mais sombria das expressões, para o que ainda está por vir.

Podemos ser impotentes para intervir, mas não somos indiferentes à desgraça que se abate sobre o povo ucraniano. A par da solidariedade material (feita dos donativos às ONGs no terreno e do acolhimento dos refugiados), a solidariedade simbólica, a ser transmitida em todas as frequências e idiomas do mundo, já é um movimento do espírito, uma aproximação ao que se passa e a quem vive na pele o medo e horror da guerra.

Por tudo isto, preciso de deixar, também aqui, esse apelo: Paz para o povo ucraniano!

Uma fotografia de 2021

Um medronho maduro pousado em cima de um poste de madeira

Só hoje me apercebi que falhei, pela segunda vez em dois anos, a pequena tradição anual de publicar aqui uma fotografia dos doze meses anteriores que não tenha partilhado em qualquer outro sítio. Não se trata de escolher a minha melhor fotografia do ano nem nada parecido. Apenas algo que fique de recordação desse ano. Bom, lá abri o Lightroom, e toca a puxar das fotografias feitas em 2021. Tenho por lá algumas fotografias visualmente marcantes, que dispensariam legenda ou explicação. A fotografia acima, não é uma delas. Podia passar por mais uma das muitas fotos que fiz ao longo dos anos no Parque Florestal de Monsanto. Um medronho maduro, colocado por mim em cima de um poste de madeira, para tentar um enquadramento fotográfico diferente, não tem, à primeira vista, nada de especial. A expressão-chave aqui é mesmo primeira vista. Alguns dias (sim, no plural) depois de ter feito a fotografia, voltei a passear pelo mesmo local com a minha mãe, completamente abstraído de já ter ali passado nessa semana. "Olha, alguém deixou um medronho em cima do poste", aponta divertida, enquanto eu seguia distraído uns metros à frente. Quando me virei para trás, mesmo antes de pousar os olhos no ponto vermelho, a minha cara já devia trair alguma da doce descrença que aquela frase acabara de fulminar no meu pensamento. Há momentos assim, em que o mundo parece repentinamente mágico e muito, mesmo muito, pequeno.